30 Jan 2019 21:56
Depois da estreia do filme “Nunca Deixes de Olhar”, precisamos, definitivamente, de inscrever o nome do alemão Florian Henckle von Donnersmarck na lista dos mais interessantes cineastas a trabalhar actualmente na Europa. O seu retrato das convulsões da Alemanha no século XX possui a capacidade de revalorizar, de forma exuberante, o modelo do grande drama histórico. Em boa verdade, não se trata de uma surpresa — em 2006, ele já tinha assinado esse filme igualmente notável que é “As Vidas dos Outros”.
Estamos perante um depurado objecto que tem qualquer coisa de descritivo, preciso, realista — e, ao mesmo tempo, monumental, inquietante, porventura ameaçador. Tudo se passa na Alemanha de Leste, em 1984, tendo como personagem central um elemento da polícia política do regime, Stasi, interpretado pelo magnífico Ulrich Mühe (1953-2007) — a sua missão é espiar… espiar as vidas dos outros.
A personagem do vigilante possui a crueldade de um poder ditatorial, ao mesmo tempo que vai sendo contaminada pelos sinais de desespero, por vezes de morte, que espalha à sua volta. Florian Henckle von Donnersmarck consegue mostrar que é possível, continua a ser possível, fazer filmes em que a dimensão colectiva se expõe através das acções e atribulações individuais. De tal modo que até mesmo as componentes musicais são essenciais no retrato da época — por exemplo, através dos sons agrestes dos Pankow, uma banda rock de Berlim Leste.
A música é, de facto, matéria central na construção de “As Vidas dos Outros”. Desde logo porque não tem nada de banalmente decorativo: os sons mais diversos fazem corpo com os gestos e as acções dos actores, reforçando a verdade humana de cada cena, cada palavra e cada silêncio. Os temas da banda sonora original, assinados por Gabriel Yared, são exemplares disso mesmo, sendo fundamental lembrar a evocação, não apenas do rock, mas também do jazz da Alemanha de Leste — por exemplo, Ernst-Ludwig Petrowsky.