27 Mai 2017 0:22
Na montra do cinema francês em Cannes, "L’Amant Double" foi, por certo, a presença mais alegre. Há, de facto, no novo filme de François Ozon (que sucede a "Frantz", de 2016, ainda inédito nos ecrãs portugueses) uma dinâmica festiva que importa situar a partir de um paradoxo essencial — Ozon encena a tragédia íntima do amor (como é que cada um conhece o desejo do outro?) através de uma ironia distanciada, por vezes um riso contundente.
Em termos simples, digamos que esta é a história de uma jovem (Marine Vacth) que se apaixona pelo seu psicanalista (Jérémier Renier); pouco depois de começarem a viver juntos, ela descobre que ele, afinal, lhe esconde aspectos fundamentais da sua vida, a começar pela existência de um irmão gémeo (também interpretado por Renier)…
O filme vai saltitando de sobressalto em sobressalto através de uma mise en scène que cedo nos faz sentir que não está à procura de qualquer realismo imediato. Ou melhor: trata-se de expor a realidade dos próprios fantasmas, procurando discernir o que resulta da imaginação masculina ou, paralelamente, nasce do imaginário feminino.
São brincadeiras eróticas, por vezes tingidas de crueldade, que Ozon filma com a aplicação de um verdadeiro cronista dos circuitos amorosos, num registo que nos faz lembrar (e muito!) alguns melodramas assombrados de Brian De Palma, a começar por "Vestida para Matar" (1980). A colagem nem sempre é muito feliz, quanto mais não seja porque De Palma possui um sistema próprio, enquanto Ozon se apresenta, aqui, apenas como um hábil coleccionador de citações. Não vem daí grande mal ao mundo…