15 Jul 2021 0:14
Entre os títulos escolhidos para a competição oficial de Cannes, “Petrov´s Flu”, do russo Kirill Serebrennikov, era, à partida, um dos simbolicamente mais importantes. De facto, Serebrennikov, a ser julgado por acusações de desvio de fundos estatais, não teve autorização das autoridades russas para se deslocar a Cannes — na sessão oficial, uma cadeira vazia, simbolizou essa ausência forçada.
Tal como no seu “Leto/Verão” (2018), sobre o rock underground na União Soviética da década de 80, “Petrov’s Flu” constrói-se como uma teia vertigionosa de cenários e situações, gerada pelo facto de tudo começar com uma personagem atingida por uma gripe (nada a ver com o covid-19, já que a rodagem ocorreu antes).
Serebrennikov terá querido criar uma tapeçaria de situações em que, por assim dizer, as personagens se vão espelhando entre várias épocas. Em jogo estará a ideia segundo a qual há um passado (soviético) que continua a ecoar, como uma espécie de assombramento, na vida contemporânea dos russos… Será uma interessante matéria dramática, embora difícil de consolidar através do “método” de Serebrennikov.
Ao contrário de “Leto”, o filme possui aquela “aceleração” (muito na moda) de uma câmara à mão que parece existir apenas para celebrar a sua própria agilidade… É caso para dizer que, como provavelmente se desejaria, o resultado consegue ser estonteante — é pena que, pelo caminho, percamos as personagens, as histórias e a coerência do próprio labor cinematográfico.