16 Mai 2019 0:57
Aconteça o que acontecer, Ladj Ly, realizador francês, nascido em 1978 no Mali, ficará como uma das revelações da 72ª edição do Festival de Cannes: o seu filme "Les Misérables" poderá ser definido como um "thriller" passado na zona problemática de Montfermeil, nos subúrbios de Paris, precisamente onde o próprio Ladj Ly viveu a partir dos três anos de idade.
A revelação é relativa, uma vez que estamos perante alguém que, como actor e realizador de documentários, tem mantido uma actividade com importante ressonância na sociedade francesa, em particular através da tentativa de dar conta da vida em bairros onde se cruzam cidadãos provenientes de países estrangeiros, com raízes em diferentes etnias. Ladj Ly integra o colectivo Kourtrajmé, entidade cuja produção visa, precisamente, a abordagem de tais contextos.
O filme de Ladj Ly arranca com uma evocação da celebração da vitória francesa no Campeonato do Mundo de Futebol de 2018, sobrepondo à imagem na multidão nos Campos Elíseos o seu título: "Os Miseráveis" convoca, assim, a referência emblemática de Vítor Hugo (aliás reforçada por uma citação final), depois derivando para uma história que envolve a odisseia de um polícia novato numa brigada que actua num espaço urbano sempre sujeito a formas de tensão susceptíveis de gerar episódios de brutal violência.
Não por acaso, "Les Misérables" suscitou a memória de "O Ódio", de Mathieu Kassovitz (prémio de melhor realização em Cannes/1995). Ladj Ly actualiza um método de abordagem em que as nuances psicológicas das personagens coexistem com profundas clivagens sociais, tudo de acordo com um modo de filmagem em que as convulsões da ficção são indissociáveis da permanente, e muito perturbante, pulsação documental — um genuíno filme social, de um dramatismo que arrisca para além de clichés sociológicos ou mediáticos.