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07 Nov 2025

“O Último Suspiro” é o recente filme do realizador franco-grego Costa-Gravas. A relação entre a vida e a morte é o tema. O cineasta sentiu necessidade de realizar o filme depois de ler o livro de Claude Grange e Régis Debray, com testemunhos sobre cuidados paliativos e doentes terminais:

Foi o livro que me motivou e foi principalmente o Régis Debray, que é um amigo que me envia todos os livros dele. Li com atenção “O Último Suspiro” e descobri um universo que não conhecia, que conduzia ao fim das vidas, mas que, ao mesmo tempo, para mim, era sobre a vida.

Foi isso que me interessou e pensei em fazer um filme. A dificuldade é que não havia continuidade nas personagens, exceto no filósofo e no médico. Posso imaginar um filósofo porque a morte é filosofar, só que o tipo de descoberta que o filósofo faz não era suficiente, era preciso encontrar algo mais. Por isso, inventei a existência da dúvida sobre a doença que ele tem. Os espectadores sabem qual é o problema, mas o médico não sabe.

Por isso, seguimos a personagem de outra maneira. Ao mesmo tempo, ele vê as diferentes pessoas próximas da morte, imaginando como será. Pouco a pouco foi preciso inventar o resto do filme.

Durante a escrita do argumento, um poema de Jacques Prévert, guiou o realizador Costa- Gravas. Uma das personagens idealizadas pelo cineasta é uma cigana:

Tive a ideia da personagem de uma cigana porque permitia criar à volta dela uma espécie de amor e de ternura, um pouco à moda antiga, como nos clássicos. Então, o que me ajudou foi o poema de Prévert, que fala da morte de uma forma admirável, com palavras muito simples.

A grande dificuldade foi o final, porque quando começamos a escrever um argumento, perguntamo-nos sempre como vamos terminar. Não podia ser um final feliz. Também era impensável ser só mais um funeral.

Pensei que era preciso que houvesse uma espécie de luta por parte daquele que está doente e que a desenvolva para combater o que lhe está a acontecer.

Costa-Gravas tinha 91 anos quando realizou “O Último Suspiro”. Foi a forma que encontrou para enfrentar os medos e falar sobre a morte, uma realidade a que ninguém pode escapar, mas para a qual ninguém está preparado:

Metia-me muito medo a morte, mas é preciso habituarmo-nos, descobrir que é preciso prepararmo-nos. Não há outra solução, ainda que exista a morte, pois, se alguns sobrevivessem, seria terrível. O mundo não aguentava.

Não sei quando nem como vai acontecer, mas é preciso estar preparado para terminar da melhor maneira possível, para manter a dignidade até ao fim. Se soubermos lidar com o tema, isso tranquiliza.

Desde pequenos somos ensinados a ter medo. Ficamos aterrorizados com a ideia da morte. Muitas vezes pensamos que somos eternos. A sociedade não nos prepara. É uma preparação que temos de fazer dentro da nossa família.

Foi por isso que coloquei no filme uma cena da filha do moribundo. É preciso estar preparado para isso, para tudo. E quanto mais nos aproximamos da morte, mais precisamos nos preparar, porque temos 30, 50 ou 70 anos, ainda temos esperança de ir mais longe. Mas quando chegamos à minha idade, ou a uma idade mais avançada, como o meu amigo Edgar Morin, que tem 104 anos, ele está preparado, apesar de falar pouco disso.

O filósofo Edgar Morin é uma fonte de inspiração para o realizador franco-grego. Manoel de Oliveira é também uma referência para Costa-Gravas. Enquanto presidente da Cinemateca Francesa convidou várias vezes o cineasta português:

Recebi o Manoel na Cinemateca quando ele tinha 100 anos. Apresentei-o ao público e disse Manoel, quero que venhas no próximo ano com um novo filme. E ele veio no ano seguinte. Disse o mesmo e ele veio mais uma vez. Na terceira vez não pôde vir, mas enviou a filha com um filme que tinha feito. O engraçado nesta história é que a filha também já era uma senhora idosa.

Para maior rigor, os enfermeiros vistos em “O Último Suspiro” são reais. As filmagens decorreram no hospital Le Vésinet, nos arredores de Paris:

Filmei num grande hospital construído pela mulher de Napoleão III, nos arredores de Paris, num setor do edifício que está desocupado. Aceitaram que filmássemos lá. Ficaram felizes por nos ajudarem e nós ficámos felizes por estar lá.

Tudo correu bem. Os enfermeiros são todos verdadeiros. Não são desse hospital, mas são enfermeiros de cuidados paliativos porque têm uma maneira muito particular de se comportarem com os pacientes.

Os médicos, em geral, têm uma forma de atuar que todos conhecemos. Ficam sempre de pé e dizem-nos com firmeza que temos de fazer isto ou aquilo. Mas o médico dos cuidados paliativos senta-se, pega na mão do paciente, conversa com ele como se fossem amigos.

Os enfermeiros fazem o mesmo. Foi por isso que no filme só tenho enfermeiros verdadeiros. São enfermeiros de cuidados paliativos que entram no filme porque têm uma maneira completamente diferente de se comportarem e que atores ou figurantes nunca seriam capazes de representar.

O realizador franco-grego, agora com 92 anos, tem uma longa lista de prémios. Desde o Oscar de Melhor Filme Estrangeiro, pelo filme “Z – A Orgia do Poder”, até à Palma de Ouro e ao Óscar de Melhor Argumento Adaptado, pelo filme “Missing – Desaparecido”, passando pelo Urso de Ouro em Berlim com “O Enigma da Caixa de Música”. Conhecido por filmes com uma dimensão política e social, apesar de “O Último Suspiro” ser mais emocional, o cineasta considera que qualquer filme é sempre político:

Todos os filmes são políticos. Nós, realizadores, temos uma responsabilidade perante milhares, às vezes milhões de pessoas que vão ver os nossos filmes. Há uma responsabilidade, e ainda maior quando tratamos de histórias, quando criamos ficções para fazer um filme. Temos uma responsabilidade ainda maior porque dizemos coisas aos espectadores que eles vão guardar, vão fazer algo a partir do que viram. É isso que é a política. Ela está por toda a parte.

  • Margarida Vaz
  • 07 Nov 2025 16:21

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