Da retórica “militante”
A sobrevivência de uma criança nas ruas de Beirute está no centro de "Capharnaüm", filme de Nadine Labaki muito discutível, mas também muito bem cotado junto de vários sectores do público de Cannes — concorre para a Palma de Ouro.
19 Mai 2018 2:09
A actual vaga de "militâncias" (cinematográficas e não só) envolve temas de enorme delicadeza emocional e urgência social. Ao mesmo tempo, importa não ceder à facilidade que consiste em dizer que um discurso (um filme, por exemplo) é intocável apenas porque se assume através de algum "discurso militante".
Importa também separar as águas, sobretudo face a um objecto como "Capharnaüm". A história da criança que sobrevive nas ruas mais degradadas e agressivas de Beirute é, afinal, uma colecção de momentos "fortes" sobre a fragilidade da infância (eventualmente carregados de dilaceradas emoções, não é isso que está em causa), mas menosprezando a complexidade dos próprios problemas que sugere.
Há outra maneira de dizer isso. E é, há que reconhecê-lo, neste tempo de muitas agitações mediáticas, sobretudo televisivas, uma maneira muito pouco popular. A saber: a gravidade de um tema, seja ele qual for, não faz, por si só, um filme consistente — sobretudo quando, como aqui acontece, a realizadora Nadine Labaki (nascida em Beirute, em 1974) vai acumulando uma retórica enraizada na "fotogenia" da miséria.
Tendo em conta alguns sinais dispersos do ambiente em Cannes, é bem provável que "Capharnaüm" saia do festival com um prémio importante. Por isso, mesmo discutindo o seu trabalho narrativo, importa reconhecer que o filme reflecte uma sensibilidade dominante na abordagem audiovisual dos problemas do Terceiro Mundo.