Dag Johan Haugerud: “Fazer filmes é como sonhar acordado”
O realizador norueguês fala sobre a trilogia cinematográfica "Sex", "Dreams" e "Love" que explora, identidade sexual, desejo e amor e como o Urso de Ouro recebido por "Dreams" em Berlim reforçou o peso dos três filmes.
“Sex”, “Dreams” e “Love” são três filmes da trilogia proposta pelo realizador norueguês Dag Johan Haugerud. Dois limpa-chaminés com casamentos heterossexuais discutem sexualidade no filme “Sex”. Em “Dreams”, uma aluna descobre na professora o primeiro amor. E em “Love”, uma médica e um enfermeiro desafiam normas sociais:
A ideia inicial era envolver-me num projeto maior, fazer uma série para o cinema. Surgiu a hipótese de fazer uma trilogia, três filmes que seriam exibidos no cinema e depois iriam para a televisão, ou streaming. Então, escrevi os três guiões.
É uma trilogia sobre identidade sexual, relacionamentos amorosos, desejo e sexualidade. Filmes independentes, realizados pelo cineasta norueguês e que abordam as mesmas temáticas, mas de formas diferentes. Cada filme fala, ao mesmo tempo, de amor, sexo e sonhos, diz Dag Johan Haugerud:
É tudo uma questão de amor e também uma questão de sonhos, diria. Os sonhos são uma parte muito importante do amor, porque sonhas com a pessoa por quem estás apaixonado e sonhas ter uma vida amorosa, gratificante. E o amor também está repleto de sonhos. A sexualidade também. Também se baseia muito nos sonhos e no amor. Estas três palavras estão muito ligadas entre si. De certa forma, referem-se às mesmas coisas contadas de forma diferente.
O cineasta e romancista Dag Johan Haugerud escreveu os argumentos uns a seguir aos outros. As histórias surgiram com naturalidade após ter imaginado quem seriam os atores:
Fazer filmes é um pouco como sonhar acordado, porque andamos por aí e pensamos em tudo o que queremos filmar. Imaginamos os atores que vão atuar em diferentes situações e nos locais para filmar. Criar um filme na cabeça é muito parecido com sonhar acordado.
Acho que essa é a melhor parte de fazer cinema. Por isso, não foi muito difícil para mim fazer isto. Eu sabia desde o início quais os atores com quem gostaria de trabalhar. Quando pensei nesses atores em diferentes situações, em diferentes conexões, as histórias surgiram com bastante naturalidade.
As filmagens decorreram umas a seguir às outras e todas em Oslo. A capital da Noruega é o cenário dos três filmes. O cineasta quis filmar a cidade para memória futura:
Rodei em diferentes locais, todos em Oslo. Tentamos escolher um local que dissesse algum significado às personagens. E também queríamos filmar as partes de Oslo que estão a sofrer algum tipo de transformação, ou mudança. Há muitas mudanças que estão a ser feitas. O plano urbano da cidade já é um pouco diferente do que era há alguns anos. E Oslo ficará diferente do que é agora. Queríamos documentar essa mudança de alguma forma.

Dag Johan Haugerud revela como imaginou as personagens e as histórias. No filme “Sex”, a escolha de dois homens que são limpa-chaminés surgiu depois de imaginar uma conversa no cimo de um telhado:
Pensei, onde é que os homens conversam? Talvez conversem em casa, quando se visitam uns aos outros. Ou talvez conversem no trabalho, quando praticam desporto, no bar ou algo do género. E pensei, não seria libertador poder ir para um telhado e sentar-me lá, completamente isolado do resto do mundo? E não seria como se pudéssemos dizer quase tudo no topo do mundo? Então pensei que os telhados seriam um ótimo lugar para ter essas conversas.
Para “Dreams” só fazia sentido centrar a história na relação entre uma aluna e uma professora. Outra opção levaria a outras interpretações:
Penso que não teria sido possível filmar com uma rapariga, uma jovem e um homem mais velho, porque surgiriam rapidamente questões éticas na mente do público. Pensariam que algo estava errado. Também teria sido errado, de certa forma. Mas acho que é um pouco desafiante para o público. As pessoas podem questionar-se. Será que está certo porque são duas mulheres? Porque não acharíamos normal se fosse uma jovem e um homem mais velho? Então, porque pensamos assim? De certa forma, isso desafia a nossa ética porque não acharíamos certo se fosse uma jovem e um homem mais velho.

Em “Love”, o último filme da trilogia, o realizador norueguês procurou também contrariar padrões e imaginou uma médica e um enfermeiro para os papéis principais:
Não quero que seja previsível, quero mostrar uma maneira diferente. Há muitas médicas, muitos enfermeiros, pareceu-me certo colocá-los juntos. Achei certo que ela fosse a médica e ele o enfermeiro, porque o enfermeiro é muito íntimo, muito mais atencioso. A médica é um pouco mais distante.
O realizador prefere não fazer juízos de valor, gosta de filmes que não dizem o que está certo, ou errado. Levanta muitas questões e cabe a cada um encontrar a resposta:
É algo que os filmes podem mostrar, não só como as coisas são, mas também como poderiam ser e como poderiam ser se fôssemos livres para viver como quiséssemos. E também levantar questões às pessoas que julgam a vida. São aquelas que provavelmente pensam em termos muito convencionais, porque têm medo de viver de forma muito mais livre. Esta constatação pode desafiá-las de certa forma, porque podem sentir que talvez devessem ser um pouco mais livres, ou perceber que talvez estejam satisfeitas com a forma como vivem.
São muitas perguntas que surgem a partir de um filme como este. Levantam-se muitas questões. É algo que tentei fazer com os filmes. Mostrar situações e depois cabe ao público decidir se concorda ou como pensa relacionar isso com as suas próprias vidas.
“Sex”, “Dreams” e “Love” são filmes independentes, com histórias e personagens diferentes. Não é obrigatório ver todos os filmes e não há uma sequência definida, mas o realizador imaginou a trilogia para que todos fossem vistos:
Cada filme vive bem sozinho, mas talvez seja gratificante ver os três, porque assim obtêm-se diferentes perspetivas sobre as mesmas coisas. São temas que nunca se esgotam. Nunca se vai deixar de falar sobre estas coisas, porque sexualidade e amor é algo muito individual. Esperamos coisas diferentes, ansiamos por coisas diferentes. Cada pessoa tem anseios diferentes para a vida amorosa e para a vida sexual. Pode continuar a fazer filmes sobre estes temas e o público que viu a trilogia pode lançar um debate, pode haver uma discussão e fazer-se a pergunta de qual dos três filmes gostaram mais.
“Dreams” conquistou o Urso de Ouro no Festival de Cinema de Berlim, um prémio que, segundo Dag Johan Haugerud engrandece os outros dois filmes da trilogia:
Foi um prémio bem-vindo. Não sonhava com um prémio, mas foi ótimo recebê-lo. Acho que foi importante. É sempre bom ganhar prémios.