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19 Dez 2025

“Nouvelle Vague”, do realizador norte-americano Richard Linklater, entra nos bastidores de “À Bout de Souffle” (O Acossado), de Jean-Luc Godard, um dos filmes que marcou o movimento francês de rutura com o cinema clássico nos anos 50-60 do século XX, designado precisamente de Nouvelle Vague.

O filme “Nouvelle Vague” acompanha o processo de realização de “O Acossado,” um filme de 1960. Segue Jean-Luc Godard, jovem, crítico da revista “Cahiers du Cinéma”, que se lança na direção da primeira longa-metragem.

Para Guillaume Marbeck, foi um privilégio assumir o papel daquele que se tornou num dos principais mestres do novo cinema francês e logo num filme dirigido por outro grande do cinema atual:

Quando me vi envolvido neste projeto, já conhecia os filmes que eles tinham feito, as características de cada um. Para mim, Godard era por excelência o realizador que se libertava das regras e que tinha total liberdade criativa, um modelo de liberdade e ousadia no cinema.

Richard também é um modelo de realismo que transmite a sensação do real, das memórias e dos sentimentos, do que é ser jovem, ter esperança e querer fazer coisas novas. Foi perfeito juntar esses dois universos, pois o filme fala desse Godard que quer fazer filmes.

Seguindo a linha de Godard, o cineasta Richard Linklater escolheu atores pouco conhecidos. “Nouvelle Vague” é a primeira longa-metragem de Guillaume Marbeck e as semelhanças físicas também ajudaram na escolha:

Após ter publicado fotos e vídeos na Internet, recebi um e-mail do diretor de casting que tinha visto o meu vídeo de apresentação.

Disse-me que era parecido com o Godard e queria-me propor fazer uma audição para interpretar Jean-Luc Godard para o filme do realizador Richard Linklater. Pensei que era mentira, mas não. Seis meses depois ligou-me outra vez e disse que o Richard estava em Paris e queria fazer-me uma audição. Deram-me 25 páginas de texto para decorar e estive durante oito horas num casting com outros dez atores. No fim, a produtora deu-me o guião e fui para casa sem saber se tinha sido escolhido, ou não. Duas semanas depois, ligaram-me a dizer que tinha conseguido o papel.

A partir de imagens de arquivo, o ator estudou os movimentos, os gestos e as formas de falar de Jean-Luc Godard:

Interpretar Godard foi um grande desafio, porque ele usava óculos escuros o tempo todo. Quando se representa, os olhos são o que mais nos permite transmitir uma emoção ao espectador. Então, tive de usar as sobrancelhas, os braços, as pernas, outros movimentos para mostrar as minhas emoções, sem ser com os olhos.

Godard estava sempre a fumar, então tive de fumar 900 cigarros durante as filmagens. Também aprendi a andar e a mexer as mãos como ele. A falar como ele porque Godard tinha uma voz muito particular. E, também, aprender como se falava nos anos 50, enfrentei muitos desafios, mas, graça às pesquisas que fiz, a partir de biografias, entrevistas, curtas-metragens em que ele aparecia com os amigos, e documentários, consegui assimilar muita informação.

Após ter uma imagem mais precisa de como ele era na juventude, em 1959, foquei-me no jovem Jean-Luc, que queria muito fazer o seu primeiro filme.

“Nouvelle Vague” é um filme a preto e branco e as filmagens decorreram em Paris, tal como “O Acossado”. No filme de Linklater, Zoey Deutch tem o papel da atriz Jane Seberg e Aubry Dullin é Jean-Paul Belmondo. Guillaume Marbecke refere que o realizador norte-americano Richard Linklater gostava de trocar impressões com os atores durante as filmagens:

Conversámos muito com o Richard. A ideia dele era mostrar aqueles jovens que querem fazer cinema, que não sabem ainda como vão fazer, mas que esperam um dia conseguir fazer o cinema que querem.

O Richard queria que nos afastássemos o mais possível do lado conhecido das personagens, do lado demasiado objeto do museu.Queria mesmo que fosse tal como os jovens de hoje que querem fazer o seu primeiro filme. Discutimos muito sobre qual era a sua intenção para a cena, porque ele escreve e fala em inglês. Era preciso transcrever para francês exatamente o que ele tinha em mente e que não fosse apenas uma tradução simples, ou à letra. Era preciso que fosse realmente adaptado para a língua francesa, que soasse bem e fosse credível em relação ao que tinha acontecido na época.

Apesar dos jump cuts e da improvisação, serem características de “O Acossado”, em “Nouvelle Vague”, Linklater não deu espaço ao improviso. No início, Guillaume Marbecke e a equipa receberam um conjunto de intenções a respeitar:

Não podíamos usar o mesmo método de filmagem de “O Acossado” porque era preciso recriar uma época, recriar a espontaneidade. Foi necessária uma enorme preparação para chegar a esse resultado, porque Paris mudou. As pessoas na rua, agora, são figurantes.

Há toda uma logística extremamente restritiva que não permitiu improvisar durante as filmagens. No entanto, durante a preparação do filme, quando fazíamos ensaios, o Richard dava-nos espaço para improvisar. Se havia algo de que gostava, acrescentava-a ao guião. Assim, sabíamos que teríamos de as refazer no set de filmagens.

No início da rodagem, deu-nos um manifesto dizendo ‘vocês não estão a interpretar os ícones Godard, Belmondo e Sieberg, estão a interpretar Jean-Luc, Jean-Paul e Jean, quando ninguém imaginava no que “O Acossado” se iria tornar, perguntando-se mesmo se o filme iria poder ser visto’.

Avisou que não iríamos filmar como se o fez em “O Acossado”, em que se fazia uma única filmagem para cada plano, mas que iríamos fazer muitas repetições até chegarmos a um resultado que desse a ideia de ter sido improvisado, quando na realidade tínhamos trabalhado muito para essa cena.

“Nouvelle Vague” é fiel a todo o processo de Godard na rodagem de “O Acossado”. Guillaume Marbecke reconhece que houve apenas algumas alterações pontuais:

Houve poucas alterações. As cenas foram inspiradas na realidade. Tínhamos os relatórios de cada dia de filmagem, na época de Godard. Sabíamos quantos takes tinham feito, o que tinham filmado, quais eram os diálogos durante as cenas. Na verdade, havia muita documentação sobre o filme.

Fizeram-se algumas alterações, mas foram raras. Por exemplo, uma curiosidade, Jean-Luc Godard foi a Cannes de comboio, mas era uma cena mais bonita se fosse de carro. Então, no filme, ele vai de carro. São detalhes que, visualmente, podem ser diferentes, mas não alteram o sentido dos acontecimentos. Na maioria das vezes, a equipa queria atingir 100% de precisão em relação ao que aconteceu.

É claro que Godard não falava apenas em forma de citações, mas era isso que fazia sentido de vez em quando, e era isso que era especial. O que interessava a Richard era mostrar as especificidades de Godard, porque é ele que é especial. O filme mostra também a dificuldade de trabalhar com um realizador quando faz o seu primeiro filme. Não sabe ainda como se deve falar às equipas, porque é novo, porque se é jovem.

Guillaume Marbecke, já reviu “À Bout de Souffle”(“O Acossado”), as cenas, as expressões e os cenários são os mesmos que em “Nouvelle Vague”. O ator francês brinca com as comparações:

Vi novamente “O Acossado” e disse ‘olha, eles filmaram no mesmo lugar que nós, copiaram-no, são uns imitadores’. Digo isto a brincar, pois fomos nós que os copiámos. Quando filmámos “Nouvelle Vague”, tivemos a sensação de ter lá estado na época.  Quando revemos num ecrã as cenas da agência de viagens ou do quarto do Hotel Suede, dizemos a nós mesmos, com sentido de humor, ‘nós estivemos lá’.

Para Guillaume Marbecke, o filme de Richard Linklater é uma aula viva de cinema:

É uma masterclass, mas não no sentido escolar. É divertida, é como se fosse uma atividade que se faz quando se é jovem e se descobre uma profissão, quando se descobre algo muito alegre para fazer. Permite descobrir se o cinema é algo que se gosta ou não.

Se se quiser saber como se pode fazer um filme de pequenas dimensões, “Nouvelle Vague” dá muitos conselhos. Há também referências a outras figuras do cinema, como Éric Rohmer, ou Agnès Varda, por exemplo. É interessante mostrar que eles eram seres humanos reais, como nós, e que nos levam a pensar que sou capaz, também posso fazer cinema.

  • Margarida Vaz
  • 19 Dez 2025 21:52

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