

Drama presidencial de Sorrentino abre a cortina do Festival de Veneza
O realizador italiano apresenta "La Grazia", candidato ao Leão de Ouro, comédia que aborda um dilema moral delicado e pretende lançar o debate sobre a eutanásia.
“La Grazia” de Paolo Sorrentino abriu o 82.º Festival de Cinema de Veneza na quarta-feira, com o realizador vencedor de um Óscar a revelar que o filme foi inspirado por um dilema político da vida real que levantou questões morais profundas.
Protagonizado pelo colaborador de longa data de Sorrentino, Toni Servillo, e por Anna Ferzetti, o filme acompanha os últimos meses de mandato de um presidente italiano fictício que tem de decidir se aprova uma lei que permite a eutanásia e se perdoa dois prisioneiros condenados por assassínio.
Sorrentino disse aos jornalistas que a história foi motivada pela decisão do Presidente Sergio Mattarella, em 2019, de conceder clemência (“grazia” em italiano) a um homem que matou a sua mulher com Alzheimer.
“Pareceu-me imediatamente um dilema moral interessante para contar”, disse Sorrentino. “Durante anos, pensei que o dilema moral era um motor narrativo formidável, mais do que qualquer outra ferramenta narrativa normalmente utilizada no cinema.”
Embora a personagem principal partilhe muitos traços com o muito popular Mattarella, Servillo disse que era uma fusão. “Existem inúmeros presidentes da república viúvos, vários presidentes da república que são homens da lei, vários presidentes da república com apenas uma filha”, disse o ator.
Sorrentino ganhou o Óscar de melhor filme em língua estrangeira em 2014 por “A Grande Beleza” e foi Leão de Prata em Veneza em 2021 por “A Mão de Deus”, sobre a sua infância em Nápoles – ambos também protagonizados por Servillo.
Muitos dos seus filmes são sensuais, opulentos e até surreais. “La Grazia”, pelo contrário, é muitas vezes austero e escasso ao acompanhar um presidente idoso a lutar com a sua consciência, a discutir com a sua filha intelectual e a chorar a falecida esposa.
Sorrentino descreve o seu protagonista como um homem que, por detrás do exterior rigoroso, encarna “uma ideia elevada de política” que julga ser cada vez mais difícil de encontrar na vida real.
No meio do drama, surgem flashes de comédia caraterísticos de Sorrentino, com o presidente a aprender a letra de uma canção rap, para surpresa de um guarda cerimonial, e a pedir conselhos a um papa negro que conduz uma scooter.
Mas os temas centrais são tratados com sensibilidade e Sorrentino disse esperar que “La Grazia” possa ajudar a convencer os políticos italianos a elaborarem finalmente uma lei sobre a morte assistida.
“É sabido que (o cinema) já não tem o impacto devastador de popularidade que teve em tempos, mas ainda pode tentar. Por isso, posso simplesmente esperar que um filme, neste caso o meu filme, possa chamar a atenção para um tema que… é fundamental”, disse.
“La Grazia” é um dos 21 filmes que concorrem ao Leão de Ouro destinado ao melhor filme do festival, juntamente com obras de Guillermo del Toro, Kathryn Bigelow e Yorgos Lanthimos.
O evento decorre até 6 de setembro.
Fotos: Jacopo Salvi, La Biennale di Venezia – Foto ASAC