ENTREVISTA (1987)
O cinema de Federico Fellini é, todo ele, uma imensa autobiografia em forma de confissão mais ou menos mascarada — no caso de "Entrevista", como num jogo de espelhos, o autor encena-se a falar de si próprio.
Falecido em 1993, contava 73 anos, Federico Fellini foi (aliás, é) uma referência central na dinâmica criativa de vários cineastas italianos, de diferentes gerações. Recentemente, um desses cineastas, o veterano Ettore Scola, dedicou-lhe um filme intitulado "Que Estranho Chamar-se Federico". Em boa verdade, a biografia de Fellini assume, muitas vezes, uma dimensão autobiográfica — assim acontece nessa produção de 1987 que se chama, muito simplesmente, "Entrevista".
A justificação do título é muito simples. Ou seja: Fellini está a trabalhar em Roma, nos estúdios da Cinecittà, e nos intervalos concede uma entrevista a um grupo de jornalistas japoneses. Eles escutam-no, num misto de perplexidade e deslumbramento, mas a pouco e pouco compreendemos que o filme não segue exactamente as perguntas dos jornalistas — no fundo, este é um jogo de espelhos, uma entrevista de Fellini a Fellini.
Em boa verdade, "ENtrevista" é um dos filmes mais confessionais de Fellini — porque ele recua à sua adolescência, mas também ao fascínio da descoberta do cinema e de todas as formas de espectáculo, revisitando as histórias esquecidas da Itália dominada pelos fascistas de Mussollini. Daí a deliciosa ambiguidade do filme: é uma antologia de factos históricos, mas também uma colecção de memórias privadas, povoadas de personagens exóticas, enigmáticas, indecifráveis.
Para a história, "Entrevista" ficou como um genuíno filme-testamento de Fellini. O filme seguiu-se a "Ginger e Fred", rodado um ano antes, em 1986, com Marcello Mastroianni e que era uma espécie de ajuste de contas com a mediocridade da televisão italiana. Depois de "ENtrevista", Fellini apenas dirigiu "A Voz da Lua", em 1990, uma despedida suave e poética — aliás, para lá das convulsões dos seres humanos, o seu cinema sempre procurou um ponto de fuga distante, porventura inalcançável, em que a lei que triunfa é a lei da poesia.
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