18 Mai 2019 12:37
Há cineastas que nos seduzem, ao mesmo tempo desconcertando-nos, pelos ziguezagues do seu trabalho — como se resistissem a ser definidos por uma "temática", seja ela qual for. Assim acontece com a austríaca Jessica Hausner, autora, por exemplo, de "Lourdes" (2009), centrado numa peregrina que visita o santuário francês, ou "Amor Louco" (2014), maravilhoso fresco sobre a época romântica e os impulsos suicidas de um escritor.
Hausner está de volta a Cannes com "Little Joe", objecto tanto mais bizarro quanto, podendo encaixar numa classificação de ficção científica, escapa a todas as matrizes correntes do género. Tudo gira em torno do projecto de uma empresa, mais ou menos futurista, no sentido de criar uma planta carmim que, através do seu odor (e também dialogando com ela…), dá felicidade aos seus donos…
No centro dos acontecimentos está uma cientista, Alice (Emily Beecham), que traz um exemplar da nova planta para casa, começando a suspeitar que o seu pólen está a ter efeitos algo bizarros no filho, Joe (Kit Connor). O filme evolui, não apenas aplicando um dispositivo clássico de investigação, mas também através de uma interrogação genuinamente filosófica: a felicidade é um estado alternativo ou apenas uma forma programada de convencimento?
O que faz funcionar o filme de Hausner é o seu inteligente equilíbrio instável: especulação científica e/ou parábola política? Sem se encerrar numa resposta maniqueísta, "Little Joe" desenvolve-se num clima de estranha inquietação, especialmente reforçado pelo minucioso trabalho sobre as formas geométricas dos cenários e as cores fortemente contrastadas, sendo forçoso destacar o magnífico trabalho de direcção fotográfica assinado por Martin Gschlacht, colaborador habitual da realizadora.