18 Mai 2017 22:43
O menos que se pode dizer do mundo de Todd Haynes é que surpreende sempre pela variedade dos seus contrastes. De "Velvet Goldmine" (1998) a "Carol" (2015), ele é um verdadeiro experimentador, capaz de se exprimir nos registos mais inesperados.
Agora, com "Wonderstruck" (competição de Cannes), adapta um livro de Brian Selznick (autor de "A Invenção de Hugo", já filmado por Martin Scorsese), criando aquilo que, à falta de melhor, designaremos como um conto sobre a infância e suas memórias.
A singularidade de "Wonderstruck" provém do facto de as suas peripécias ligarem, num novelo de cumplicidades por descobrir, duas crianças surdas, marcadas pelo imaginário de um mesmo livro — ambas em Nova Iorque, uma em 1927, outra em 1977. O desafio de Haynes consiste em narrar essa história numa permanente oscilação temporal, ao mesmo tempo criando uma ilusão poética de absoluta continuidade.
Além do mais, o filme envolve o reencontro do cineasta com Julianne Moore, actriz de todas as transfigurações (aqui claramente envelhecida) que já dirigira em "Seguro" (1995) e "Longe do Paraíso" (2002). Dir-se-ia que é um rosto conhecido num filme que, em última análise, abre para zonas desconhecidas no universo de Haynes — sem fulgor, mas com a consistência própria de um cineasta que sabe pensar as linguagens que utiliza.