O filme “L’immensità – Por Amor”, passa-se em Roma nos anos 70, e conta a história de uma família prestes a desabar. A actriz Penelope Cruz interpreta uma mãe que tenta sobreviver com os 3 filhos a um ambiente doméstico violento e tóxico. A mais velha das crianças, Adri tem 12 anos e está em pleno processo de questionamento do corpo, do género e da sexualidade.
Na conferência de imprensa do Festival de Veneza, onde o filme esteve em competição, Emanuele Crialese admitiu sem rodeios que levou para o filme o lado mais intimo da sua própria adolescência e família.
“É inspirado na minha história e na minha infância, mas transformadas. Procurei uma formula que não fosse apenas auto referencial e só falasse de mim, mas que abordasse temas mais universais. Como a migração das almas, enquanto transição, ou movimento que fazemos para nos aproximar-mos de alguém. Esse movimento para mim é muito importante porque diz respeito a todos”, diz Crialese.
Na história desta família, a mãe Clara e a filha Adri são personagens presas, a um casamento falhado, ou a um corpo que se rejeita. Para que a vida não seja simplesmente um drama difícil, a mãe compensa com um comportamento que desafiava a norma da época e podia ser visto como infantil e desequilibrado.
Penelope Cruz acabou por encontrar o tom certo para esta mulher. “Eu acho que ela não é louca de todo. Acho que tem loucura suficiente para sobreviver aquela vida. Ela está ligada à filha e ambas se sentem encurraladas. Nos seus corpos, na casa, na família. Nas situações em que se encontram. Não há plano B e não há fuga. A único escape que têm é a televisão que as liga a um outro mundo, à arte, à música, à dança e ao sonho. Algo que está mais próximo das pessoas que sentem que são e que sonham ser, se tivessem permissão da sociedade, da família e até delas próprias.”
Para a pequena Adri, as fugas à realidade passam também por fugir do próprio corpo e da condição feminina. Uma memória de Emanuele Crialese, que cresceu rapariga e se transformou em homem mantendo presente a condição feminina: “Acho que a melhor parte de ser homem é ser mulher. Eu não vejo a diferença entre ser de um mundo ou de outro. Eu sou quem sou e tenho esta polaridade(…) nasci mulher, que como já disse é talvez a parte melhor de ser homem.”
Para o realizador, a arte foi também a primeira possibilidade de fugir ao contexto hostil que o rodeava: “O meu percurso artístico foi a primeira forma de liberdade que conheci. Porque tudo era muito confuso. E antes de mim havia a minha mãe, que gostava de inventar. Uma mulher que nesta altura, nos anos 70 e 80, claro não sabia lidar com estas questões e estes problemas, com este modo de existir que era um problema para ela, e para mim, porque a afetava. Éramos muito próximos, mas ela sofria e eu sofria porque a fazia sofrer.”
O drama e o humor cruzam-se na história desta família, com excessos ou imprecisões que resultam do exercício de memória que tantas vezes se confunde com imaginação. Ainda assim, “L’immensità”” é um filme onde cabe um olhar sobre relações tóxicas e violentas, preconceito, e o despertar de uma criança para os problemas e os assuntos dos adultos. Depois de um hiato de mais de 10 anos, Emanuele Crialese regressa ao cinema de cunho pessoal, com uma abordagem muito intima e particular das questões de género.