02 Mai 2024
A noção de uma sociedade matriarcal, há muito enraizada na cultura da Galiza, foi o ponto de partida para o realizador Alvaro Gago procurar, na realidade, os sinais dessa “Matria”. Em conversa com o CINEMAX, Alvaro Gago diz que o título e o filme, servem para questionar “que matriarcado é este, que estamos a construir na Galiza?”
Esta reflexão, começou a merecer a atenção do realizador em 2018 com a curta-metragem “Matria”, e o retrato de uma personagem real, com o qual venceu o grande prémio do júri do Festival de Sundance. Em 2023, a mesma personagem é revisitada numa longa-metragem de ficção, que venceu o prémio de melhor primeira obra do Festival de Berlim.
“A conceção de que a Galiza é uma terra matriarcal é um mito imposto quando somos miúdos (…) mas se começarmos a analisar e aprofundar o que significa, e fizermos um espelho com a realidade, percebemos que algo não bate certo.”
Numa pequena vila piscatória da Galiza, Ramona é uma mulher de múltiplas tarefas, que procura equilibrar a frágil vida financeira, com o sonho de que a filha possa manter-se a estudar, em vez de ser apenas a mulher de alguém, entregue às tarefas domésticas, sem ambição nem propósito.
Quando um dos empregos de Ramona falha, ela encontra solução a tomar conta de um velho viúvo. Na realidade, esta mulher é Francisca, que Alvaro Gago conhece desde a adolescência e que entre muitas outras ocupações, tomou conta do avô. Ramona é o exemplo de como a sociedade galega pode estar equivocada entre “a noção de mulher que leva a família às costas e pode com tudo (…) que trabalha dentro e fora de casa, com a mulher poderosa, a nível social e político.”
Francisca resume o perfil de muitas mulheres de pequenos lugares da Galiza, onde os homens decidem e dominam. Segundo o realizador, Francisca “nasceu e cresceu num ambiente em que se normalizam muitas coisas, muitas violências. Ela também tende a normalizar, mas está consciente disso, e tem de viver com isso todos os dias.”
“Humor, humanidade e complexidade”
Francisca, a mulher que inspira a história de “Matria”, é uma figura presente na vida do realizador Alvaro Gago há 25 anos. O que lhe chamou a atenção nesta mulher, foi a “ternura e energia de vida, apesar de tudo o que tem às costas”. Alguém que usa o humor como ferramenta de sobrevivência. Uma mulher de grande humanidade e complexidade, “porque depois de tanto tempo, ainda não consegue decifrar por inteiro como ela vê a vida.”
A atriz Maria Vásquez é Ramona, personagem construída a partir de Francisca. O encontro das duas, foi essencial para o filme, “foi um amor à primeira vista. A Maria é uma atriz muito da terra. Francisca reconheceu-se nela”, diz o realizador.
“Matria” é o filme de mudança na carreira de Alvaro Gago, realizador galego de 37 anos, que até aqui só tinha experimentado o formato de curta-metragem. Um drama social, a fazer lembrar os filmes de Ken Loach, ou dos irmãos Dardenne, com foco em personagens que se fundem com os contextos em que se encontram e se debatem com lutas diárias por trabalho, subsistência e dignidade.
Alvaro Gago não refere possíveis inspirações para o filme, mas diz que lhe interessa “o cinema que pensa no coletivo, que vai além do seu próprio umbigo. Que faz da experiência do cinema, um lugar habitável (…). E ainda que nada mude, visão e a forma de fazer filmes, têm de incorporar um desejo de mudança.”