29 Nov 2023
A história da relação de uma mulher mais velha com um adolescente, que chocou a América nos anos 90, é o foco das atenções no mais recente filme de Todd Haynes. “May December”, que integrou a competição oficial do Festival de Cannes, ficciona a vida do casal décadas depois, no momento em que uma atriz se propõe levar ao cinema a polémica história de amor.
O casal sobreviveu à turbulência causada pela imprensa e à pena de prisão que a mulher teve de cumprir, por violação de um menor. Os dois normalizaram o tabu, casaram e tiveram três filhos. Todd Haynes admite que a história é complicada “pelo facto da relação ter durado (…) há transgressões que fazem parte das nossas vidas, mas que representam oportunidades para olharmos para nós próprios e para a cultura em que vivemos. Às vezes encontramos disparidades entre os nossos desejos e o que nos rodeia”.
Julianne Moore: “A minha personagem é transgressora…”
Este é um tema recorrente em alguns dos filmes do realizador, como “Longe do Paraíso”, ou “Carol”, que propõem uma abordagem à identidade queer em contextos conservadores e preconceituosos. Agora, o realizador aborda a pedofilia, com a história de uma mulher casada e com filhos, que se apaixona e engravida de um rapaz de 13 anos. Um papel desempenhado por Julianne Moore que volta pela quinta vez, ao cinema de Todd Haynes. “A minha personagem é transgressora (….) uma coisa é uma diferença de idades, mas uma relação entre um adulto e uma criança é algo totalmente diferente. Na minha opinião, acho que a transgressão dela é de tal forma, que ela a integra na sua própria identidade e feminilidade. Ela escolhe uma criança, como figura masculina que se torna mais dominante do que ela. Isso para mim era muito complicado e muito aliciante.”
Julianne Moore considera que Todd Haynes fala “sobre quem somos em várias circunstâncias (….) em função da cultura, género, tempo, raça. Tudo isto define quem somos. Esta ideia de livre arbítrio e de que escolhemos o nosso caminho, não é verdade. Há demasiados sistemas a funcionar.” A personagem Gracie é uma mulher que oscila entre ingénua e manipuladora, que sabe quais são os limites, mas decide quebrá-los ainda assim – “quando é que a idade é inapropriada? Quando duas pessoas estão em fases diferentes de desenvolvimento mental. Quando uma delas não adulta. Essa é a nossa barreira, o que não significa que as pessoas não transgridam.”
Todd Haynes: “A história cria uma espécie de ansiedade sobre a forma como podemos interpretá-la.”
A vida do casal que parece ter ultrapassado o escândalo e o crime, vai ser posta à prova com a chegada de Elizabeth, interpretada por Natalie Portman. Uma atriz à procura de contexto para desempenhar no cinema o papel da mulher adulta que cometeu pedofilia.
Natalie Portman foi quem deu a conhecer o argumento do filme a Todd Haynes, por considerar que tinha o tom certo para abordar personagens tão complexas – “Acho que o Todd tem uma visão mais negra deste ideal de subúrbio americano, que ele explorou um pouco, anteriormente. Ele tem a capacidade de criar esta tensão e este drama em doses muito subtis, até na forma como coloca a camera, sem apontar para aquilo que o espetador deve sentir.”
A atriz Elizabeth quer encontrar a verdade sobre a mulher adulta que enfrentou tudo para fazer vida ao lado de um miúdo. Gracie, a mulher pedófila quer mostrar que a união dos dois é simplesmente um desfecho natural. E Joe, interpretado por Charles Melton, é o adolescente que cresce habituado a ser pai e marido.
A verdade sobre os impulsos das três personagens é o jogo permanente que Todd Haynes propõe – “A história cria uma espécie de ansiedade sobre a forma como podemos interpretá-la. Estamos o tempo todo a tentar ler estas pessoas, perceber quem são e em quem confiar. Quem é viável. Essas várias camadas revelam-se à medida que a história avança. O que começa por ser um retrato, passa a ser um duplo retrato e depois um triplo retrato.”
Um triângulo amoroso fora do comum, entre 3 personagens, quem os rodeia e quem as vê na sala de cinema. Todd Haynes pede ao público para olhar, pensar no que vê e decidir como quer absorver a história.