17 Out 2024
Foi o filme mais aguardado do Festival de Cannes e, talvez, a obra mais aguardada na carreira de Francis Ford Coppola. Um projeto que começou a ser imaginado há quase 50 anos e sofreu adiamentos sucessivos ao longo da carreira do cineasta.
“Megalopolis” é, em todos os aspetos, um filme de excesso, pelo tempo envolvido, pelo dinheiro gasto, pela proposta estética, pela narrativa e por ser uma tremenda ousadia. Apresentá-lo finalmente no Festival de Cannes, aos 85 anos, foi um alívio para o realizador.
Uma alegria tremenda, após ter tido uma ideia há tantos anos, desenvolvê-la ao longo do tempo, depois abandoná-la e perceber que não devia tê-la abandonado. Chegar aqui foi um sentimento muito bonito. Muito obrigado.
Francis Ford Coppola quis filmar o mundo contemporâneo num enredo à moda de Roma Antiga. Mal sabia que a sua imaginação estaria tão perto da realidade do nosso tempo.
Não fazia ideia de que um épico passado na Roma Antiga podia ser tão relevante, tendo em conta a política na atualidade, porque o que está a acontecer na América, na nossa república, na nossa democracia, foi exatamente como os romanos perderam a república há milhares de anos.
COPPOLA: “O papel de um artista é apontar um foco sobre a contemporaneidade, fazê-la sobressair.”
Adam Driver é César, um arquiteto revolucionário que sonha construir uma cidade mais sustentável e harmoniosa, a “Megalopolis” do título. Pela frente, tem o mayor de Nova Roma, interpretado por Giancarlo Esposito, que responde ao dinheiro e à influência dos poderosos da cidade. César é ainda um homem que acredita na imaginação e criatividade, na criação e na arte. “Megalopolis” pode ser interpretado como uma visão mais pessoal, pode ser a história de Francis Ford Coppola a lutar contra a conservadora indústria do cinema americano.
Receio que a indústria do cinema se resuma a contratar pessoas para lhes pagar as dívidas, porque os estúdios estão com muitos problemas e já não se trata de fazer bons filmes, mas de filmes que deem dinheiro para essas dívidas.
Claro que as novas empresas, como a Amazon, a Apple, a Microsoft, têm imenso dinheiro. Pode acontecer que os estúdios que conhecemos por tanto tempo, alguns até ótimos, desapareçam no futuro.
Para Coppola, o filme é também uma forma de vincar o papel da arte num tempo em que os populismos trazem de volta ideias e políticas que já fizeram história pelas piores razões.
Há uma certa moda que caminha para uma direita neofascista, o que é assustador, porque qualquer pessoa que viveu durante a Segunda Guerra conheceu os horrores que aconteceram e não queremos que isso se repita.
O papel de um artista é apontar um foco sobre a contemporaneidade, fazê-la sobressair. Não o fazer é como comer um hambúrguer que não tem nutrientes, algo que está a acontecer. A minha esperança é de que os artistas do meu país possam dar visibilidade ao que está a acontecer para que as pessoas vejam, porque não se pode agir quando não se está a ver.
ADAM DRIVER: “Não existe nada tão imaginativo com esta escala.”
“Megalopolis” tem a ambição de juntar passado, presente e apontar ao futuro. Assenta na extravagância de ter sido uma obra contra tudo e contra todos, paga com 120 milhões de dólares da fortuna pessoal do realizador.
Não é a primeira vez que Francis Ford Coppola insiste num projeto que os estúdios rejeitam, ou se mantém irredutível nas suas ideias de cinema. Já aconteceu em “Do Fundo do Coração”, “Apocalipse Now” ou “Drácula”. Coppola continua a rejeitar fazer cinema para alimentar uma indústria e, quanto ao dinheiro, acredita que é menos importante do que parece.
Ouçam, o dinheiro não interessa para nada. O que importa são os amigos. Um amigo não te abandona, mas o dinheiro pode acabar. Sabia que o filme não era como outros filmes. Não podia comparar. Não tinha exemplos. Fiz como achava que devia fazer. E já que pagava, achei que tinha esse direito.
O resultado é um filme inigualável, uma obra de cinema difícil de catalogar, ou até mesmo compreender. Inconstante na forma como parece apontar para a reflexão sobre a sustentabilidade e o que ainda há de vir, ancorado em algumas ideias estéticas que podem parecer ultrapassadas e até mesmo de mau gosto. Será um desafio para o público, mas o ator Adam Driver acredita que será algo único.
Senti que parecia teatro experimental e foi isso que o tornou tão desafiante e entusiasmante. Creio que isso se reflete no filme. Não existe nada tão imaginativo com esta escala. Acho que é algo único. Já o vi várias vezes e encontrei coisas que ainda não tinha visto. Acho que se torna cada vez mais rico.
“Megalopolis” é uma alegoria sobre o sonho de um homem que acredita num futuro melhor. Mistura drama, filosofia, humor e glamour numa combinação bizarra que esperou muito tempo para sair da cabeça de Francis Ford Coppola, mas talvez ainda necessite de mais tempo para se tornar totalmente compreendida e apreciada.
Estreia esta semana nas salas de cinema portuguesas.