17 Mai 2024

O realizador Francis Ford Coppola encerrou quinta-feira um capítulo de décadas da sua longa carreira, com a estreia no Festival de Cannes do seu projeto pessoal, “Megalopolis”, um conto romântico de ficção científica com 138 minutos, inspirado numa célebre conspiração na Roma Antiga.

Com “Megalopolis”, Coppola volta a estar na corrida à Palma de Ouro pela primeira vez desde que “Apocalypse Now” lhe valeu o prémio em 1979.

Adam Driver é o protagonista, César Catilina, um arquiteto-cientista que ambiciona melhorar uma versão fictícia da cidade de Nova Iorque, chamada Nova Roma, o que o coloca em oposição ao Presidente da Câmara, Franklyn Cicero (Giancarlo Esposito), que privilegia a autoridade e as instituições em detrimento da mudança.

Catilina apaixona-se pela filha do presidente da câmara, Julia, interpretada por Nathalie Emmanuel, de “Game of Thrones”, que o ajuda a concretizar a sua visão e reacende o seu poder de parar o tempo.

A testemunhar o prestígio de Coppola, mesmo o elenco secundário está recheado de nomes famosos como Shia LaBeouf, Aubrey Plaza, Laurence Fishburne e Dustin Hoffman.

Quase tão épico como o filme em si é o longo e sinuoso caminho que percorreu desde o conceito até às salas de cinema: Coppola começou a desenvolver o projeto no início dos anos 80, trabalhando nele aos poucos nas décadas seguintes com vários atores.

Coppola afirma que a inspiração para o enredo veio da tentativa de golpe de estado em 63 a.C. pelo aristocrata romano Lucius Sergius Catilina, que empresta o nome à personagem de Driver.

Depois de quase ter desistido do projeto em 2007 por falta de apoio, Coppola decidiu levá-lo por diante após completar 80 anos, e depois da pandemia, o que implicou a venda de parte do seu negócio de vinhos para financiar a produção do filme.

“Megalopolis”, com um orçamento de 120 milhões de dólares, ainda não encontrou distribuidor nos EUA, mas, segundo consta, terá lançamento mundial em salas Imax, em determinado momento deste ano.

Crítica dividida

As opiniões dos críticos dividiram-se apaixonadamente, mas mesmo alguns que não gostaram do filme acharam que tem pelo menos algum valor lúdico.

O site de notícias de entretenimento Vulture titula “Megalopolis é uma obra de loucura absoluta”, enquanto o The Hollywood Reporter o descreve como “uma loucura que não deixa de ter um certo fascínio”.

Entre as primeiras críticas, o site especializado Deadline saúda “uma autêntica obra-prima moderna do género que escandaliza pela sua audácia”, enquanto o The Guardian descreve o filme como “inchado, aborrecido e desconcertantemente superficial”.

O The Hollywood Reporter considera que é “um golpe de mestre deslumbrante e ambicioso, para dizer o mínimo”, enquanto o The Times critica as “interpretações, diálogos e imagens desagradáveis”.

“O filme tem um efeito bastante desconcertante, principalmente se estivermos à espera que Coppola produza uma obra-prima como nos seus tempos áureos”, considera o Le Monde, enquanto o Libération descreve “Megalopolis” como “um peplum retro-futurista incompreensível e nebuloso” que deixou os seus jornalistas “estupefactos”.

Francis Ford Coppola: “nunca pensei que o filme fosse tão atual”

Francis Ford Coppola não sabia quão pertinente seria “Megalopolis”, uma alegoria sobre a queda da República Romana, quando começou a desenvolver o conceito há décadas, disse o realizador na conferência de imprensa no Festival de Cannes.

Coppola queria fazer um épico romano ambientado na América moderna. “Mas não fazia ideia de que a República Romana seria uma alegoria da política americana”.

“Porque o que está a acontecer na América, na nossa república, uma democracia dourada, é exatamente igual à forma como Roma perdeu a sua república há milhares de anos”, disse o realizador de “O Padrinho”. “A nossa política levou-nos ao ponto de podermos perder a nossa república.”

Os artistas, e não os políticos, vão ser a resposta, acrescentou, porque iluminam a vida contemporânea.

“Ontem à noite, perto do fim do filme, comecei a chorar porque, de repente, percebi. Não é suposto que eu saiba tudo. Não é suposto que tenha todas as respostas”, disse Esposito, conhecido por “Breaking Bad” e “Os suspeitos do costume”.

“O filme não oferece uma resposta clara às questões que levanta, mas pretende inspirar uma conversa coletiva sobre a forma de melhorar a sociedade, o que, por sua vez, permite que as pessoas sintam esperança no futuro”, explicou Esposito na conferência de imprensa.

Coppola, que começou a desenvolver o conceito do filme no início dos anos 80, disse que não havia palavras para descrever a emoção que sentiu ao ver finalmente o produto final no grande ecrã.

No entanto, o realizador de “Apocalypse Now”, que muitas vezes remontou o seu trabalho depois de este ter sido lançado, não exclui a possibilidade de também fazer alterações ao seu último filme.

“Acho que estarei aqui daqui a 20 anos”, disse o realizador de 85 anos, olhando brevemente para o teto.

“Se houver uma maneira de tornar o filme um pouco melhor, tentarei. Mas sei que já terminei porque comecei a escrever outro filme e isso é um bom sinal de que já o acabei.”

Obter uma terceira Palma de Ouro seria uma estreia na história de Cannes. Para Coppola, há analogias entre o regresso à Croisette este ano e o seu regresso para defender “Apocalypse Now” em 1979, que lhe valeu a segunda Palma.

  • CINEMAX - RTP c/ agências
  • 17 Mai 2024 22:32

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