16 Mai 2015 23:20
Há em torno de Nanni Moretti um "efeito-Moretti". Que é como quem diz: a imagem de marca que os media dele criaram envolve a expectativa de coisas mais ou menos "rebeldes" e "provocatórias". De tal modo que o cineasta italiano é o primeiro a resistir a tal "efeito", como se prova no seu "Mia Madre", apresentado na competição de Cannes.
Assim, a personagem central de "Mia Madre" é uma cineasta, Margherita (Margherita Buy), que, muito à maneira de Moretti, não gosta dos lugares-comuns com que alguns jornalistas a bombardeiam… Mas atenção, tal pontuação irónica, reforçada pela presença de John Turturro (interpretando a estrela convidada do filme dentro do filme), é apenas isso mesmo: uma forma de marcar o ritmo de um filme de admirável subtileza formal e humana que, em boa verdade, remete para um tema bem diferente. A saber: a aceitação da morte.
O próprio Moretti interpreta o irmão de Margherita — ambos vivem condicionados pela situação da mãe, uma velha professora de latim que está no hospital, enfrentando uma doença muito mais grave do que imagina. "Mia Madre" é, assim, a história da progressiva certeza da chegada da morte, encenada através das atribulações do quotidiano, desde as dificuldades do filme de Margherita até à decisão do irmão de abandonar o seu emprego, passando pelas rotinas da filha de Margherita e a sua aprendizagem do… latim.
Podemos, evidentemente, aproximar este filme de outros momentos da obra de Moretti em que o confronto com a ameaça da doença ou a brusquidão da morte é fundamental — pensemos, por exemplo, em "Querido Diário" (1993) ou "O Quarto do Filho" (2001). Seja como for, "Mia Madre" é uma extraordinária proeza narrativa e simbólica, feita com a aparente ligeireza de uma crónica do dia a dia — que, obviamente, também é.