27 Dez 2019 16:06
Na história criativa do alemão Wim Wenders, o americano Nicholas Ray ocupa um lugar fundamental — o lugar de um mestre, um inspirador, uma referência cinéfila e um modelo moral. Em 1977, Wenders convidou-o a integrar o elenco de “O Amigo Americano”, um thriller inspirado num livro de Patricia Highsmith. Dois anos mais tarde, Nicholas Ray vivia a tragédia de um cancro terminal — e Wenders filmou-o em "Nick’s Film", ou “Nick’s Movie – Um Acto de Amor”, acompanhando-o nos seus derradeiros meses de vida.
Vale a pena lembrar, por exemplo, “Rebel Without a Cause”, o lendário “Fúria de Viver”, de 1955, com James Dean. Porquê? Porque é um dos títulos fulcrais da filmografia de Nicholas Ray. Dito de outro modo: ao filmar Ray, Wenders reencontrava a herança de um tempo de profundas transformações em Hollywood, a começar pelas novas formas de representação da família, das relações entre pais e filhos.
Como se percebe através dos diálogos de “Nick’s Movie”, toda a rodagem, em Nova Iorque, foi marcada pelos sobressaltos com a saúde de Nicholas Ray. Aliás, ao mesmo tempo, Wenders vivia as atribulações do seu filme “Hammett”, sobre o escritor Dashiell Hammett, cuja rodagem decorria em Los Angeles. O seu produtor era Francis Ford Coppola e, em boa verdade, Wenders e Coppola nunca se entenderam muito bem. O certo é que “Hammett” ficou também como outro momento exemplar da relação de Wenders com o imaginário americano.
“Nick’s Movie” é um objecto cinematográfico que possui qualquer coisa de requiem — Nicholas Ray faleceu a 16 de Junho de 1979, contava 67 anos, e nunca chegou a ver o filme. Ao mesmo tempo, há nele uma celebração da vida, do desejo de viver, que se materializa na espantosa canção que está na sua banda sonora. Chama-se “Lightning Over Water” — aliás, o filme começou por se chamar “Lightning Over Water”, tendo depois mudado para “Nick’s Movie”. O título desapareceu, mas a canção ficou, na voz vibrante de Ronee Blakely.