20 Fev 2025

O dia 5 de setembro de 1972 não foi um dia como os outros para a equipa desportiva da televisão ABC, que transmitia as Olimpíadas de Munique. Em boa verdade, não foi um dia como os outros para o jornalismo televisivo. Um grupo terrorista palestiniano invadiu a aldeia olímpica, matou dois atletas israelitas e fez reféns outros nove elementos da delegação.

Em “O Atentado de 5 de Setembro”, o realizador suíço Tim Fehlbaum, aborda esta crise do ponto de vista de uma equipa de jornalistas e produtores da ABC Sports que estava no local para cobrir as provas desportivas. O filme decorre em grande parte no carro de exteriores do canal de televisão e centra-se na resposta deste grupo de profissionais a uma situação inédita para a qual não estavam preparados.

No final, morreram de 11 atletas e treinadores israelitas, cinco dos oito terroristas e um polícia alemão. A resposta inadequada das autoridades obrigou a mudar os padrões de segurança e levou à criação de forças policiais especializadas. Dois anos depois, a Alemanha apresentava a unidade antiterrorista GSG 9, numa reação imitada por outros países.

O acontecimento também revolucionou o jornalismo e determinou a forma de responder perante a violência em direto.

No meio século desde o atentado de 5 de setembro foram vários os documentários e as adaptações cinematográficas, no cinema e na televisão

A primeira surge logo em 1976, no telefilme “21 Horas em Munique”, estreado no canal ABC, nos Estados Unidos, com William Holden no papel do chefe da polícia alemã. Franco Nero, interpretou o líder dos terroristas, e o britânico Anthony Quayle foi Zvi Zamir, o diretor da Mossad, os serviços secretos israelitas. É um relato feito do ponto de vista israelita, mas quase compreensivo para com as dificuldades enfrentadas pelas autoridades alemãs.

Em 1999, Kevin McDonald ganhou um Oscar com “Um Dia em Setembro”. O documentário é um retrato menos simpático da resposta alemã e abre caminho a algumas teorias conspirativas.

Eric Bana e Geoffrey Rush no filme “Munique” (2005) de Steven Spielberg

Por fim, “Munique”, de Steven Spielberg, filme de 2005 com Eric Bana e Daniel Craig, mostra a campanha de vingança que o estado de Israel empreendeu contra os responsáveis pelo ataque à aldeia olímpica. A atenção centra-se na perseguição e assassinato de elementos de organizações terroristas palestinianas envolvidas, uma operação ordenada pela primeira-ministro de Israel, Golda Meir, e que se prolongou durante anos.

Os “Anos de Chumbo”

Franco Nero em “A Polícia Incrimina… A Lei Absolve” (1973)

O aparecimento do terrorismo a partir de finais dos anos 1960 refletiu-se no cinema e na televisão, integrado numa atmosfera de forte carga política e à boleia da Guerra Fria e das mudanças na sociedade.

Ficou conhecida como os “Anos de Chumbo”, uma expressão que apareceu em Itália ligada à atividade terrorista das Brigadas Vermelhas e de vários grupos neo-fascistas, que coexistiam com três organizações criminosas também elas bastante violentas e com raízes profundas no tecido social italiano: a Cosa Nostra, siciliana, a Camorra, de Nápoles, e a ‘Ndrangheta, da Calábria.

Tudo indica que o termo teve origem num filme de Margarethe von Trotta intitulado “Anos de Chumbo” que venceu o Leão de Ouro em Veneza em 1981. A expressão ajuda a definir um período de violência extrema e continuada, com atentados à bomba, raptos e tiroteios que ocorreu a partir de finais dos anos 60 e prolongou-se pela década de 70 e ainda durante parte dos anos 80 do século XX.

Um período complexo, cheio de ligações, cruzamentos de influências e redes de corrupção que estão ainda hoje a ser desvendados.

No essencial, os “Anos de Chumbo” na Europa nascem do descontentamento social e da desilusão política perante a falta de mudanças prometidas pelas movimentações dos anos 60. A resposta, para alguns, foi a criação de grupos de “luta armada” – tanto de extrema-esquerda, como de extrema-direita – que optaram pela violência.

Atualmente, a expressão “Anos de Chumbo” é usada para definir períodos de violência política em vários países. Na Alemanha, o termo inclui a violência associada à Facção do Exército Vermelho, grupo também conhecido pelos nomes dos seus fundadores, Andreas Baader e Ulrike Meinhof. Na Espanha, está ligado à atividade dos nacionalistas bascos da ETA. No Brasil, descreve o aumento da repressão da ditadura militar a partir de 1968.

Num período muito politizado, é natural que a ficção cinematográfica e televisiva retrate a violência que ocorre nas ruas e na sociedade. Em Itália, deu mesmo origem a um subgénero próprio, o poliziottesco, filmes de ação que refletiam de forma simplista, ou mesmo reacionária, o que se passava no quotidiano. Realizadores como Enzo G. Castellari, Bruno Corbucci, ou Damiano Damiani exploraram este filão após a decadência do western spaghetti.

Num ângulo mais sério, todo o envolvimento político de cineastas e público produziu um conjunto de obras interessante que refletem o período.

Yves Montand em “Z” de Costa-Gavras

Desde logo surgem nomes de realizadores que dedicaram parte da carreira a abordar a temática da violência política e da repressão do estado. Em Itália, Marco Bellocchio com “O Monstro na Primeira Página” (1972), ou “O Diabo no Corpo” (1986); e Mario Monicelli em “Queremos os Coronéis!” (1973) e “O Pequeno Burguês” (1977) interpretam de modo certeiro a atmosfera daqueles anos. Indispensáveis são também filmes como “Z”, ou “Estado de Sítio”, do grego Costa-Gavras, e “Ogre”, de Gillo Pontecorvo, sobre o terrorismo em Espanha. Ainda “Alemanha no Outono” (1978), dirigido a várias mãos, por nomes como Rainer Werner Fassbinder, ou Volker Schlöndorff, mistura ficção e imagens de arquivo para criar um retrato da Alemanha violenta daqueles anos. Em 1981, “A Tragédia de um Homem Ridículo” (1981), de Bernardo Bertolucci, mostra as consequências do terrorismo no cidadão comum.

O tema continua a ser relevante. Este ano, os Goyas da academia espanhola de cinema, premiaram “A Infiltrada”, filme sobre uma agente que viveu no interior da ETA. Em 2008, Uli Edel dirigiu “O Complexo Baader Meinhof”, que recuperou a história do grupo terrorista alemão dos anos 70. Seguindo essa linha, séries italianas como “Romanzo Criminale” e “Exterior Noite” voltaram a dissecar os bastidores da violência e dos raptos políticos, cujo exemplo mais mediático continua a ser o de Aldo Moro.

Ainda outro ponto de partida para quem se interessa sobre o tema poderá estar em duas minisséries que a RTP2 transmitiu recentemente: “Os Homens do General”, sobre o general Dalla Chiesa, que liderou a perseguição às Brigadas Vermelhas, e “O Assassinato do Primeiro-Ministro” sobre o atentado da ETA que vitimou o almirante Carrero Blanco, em 1973.

  • CINEMAX - RTP
  • 20 Fev 2025 11:55

+ conteúdos