1 Mai 2020 18:20
Na actual conjuntura de pandemia, os filmes em "streaming" não são UMA alternativa — em boa verdade, são A alternativa. E há de tudo um pouco, incluindo alguns títulos fundamentais aos quais, durante períodos mais ou menos breves, é possível aceder de forma gratuita.
Assim, no seu espaço de ‘Quarentena Cinéfila’, a Medeia Filmes continua a oferecer filmes muito interessantes, em alguns casos de decisivo significado histórico. É o caso de "Torre Bela" (1975), de Thomas Harlan, disponível até às 24h00 do dia 3 de maio — é um dos testemunhos mais ricos, a quente, do período pós-25 de Abril que, com ou sem ironia, ficou conhecido como PREC (processo revolucionário em curso).
O alemão Thomas Harlan (1929-2010) foi um dos muitos artistas estrangeiros que, depois do fim dos Estado Novo e da Guerra Colonial, veio a Portugal, num misto de curiosidade e investigação, para conhecer as especificidades políticas do que estava a acontecer. Acabou por filmar o processo de ocupação da herdade de Torre Bela, um dos eventos que ficou como símbolo das muitas convulsões que marcaram a Reforma Agrária.
Para lá dos discursos panfletários que marcavam a época, o filme possui o valor insubstituível de um olhar documental que nasce, não apenas da memória de algo que aconteceu, mas do envolvimento directo com os acontecimentos. Daí que "Torre Bela" seja tecido de momentos de participação do próprio cinema na imprevisibilidade desses acontecimentos, desde as discussões sobre as formas de ocupação da propriedade até à ocupação propriamente dita, passando pela presença de José Afonso, Vitorino e José Fanhais para cantarem "Grândola, Vila Morena" .
"Torre Bela" é um objecto tanto mais fascinante quanto se revela capaz de relançar uma discussão essencial sobre a relação — material e ontológica — do cinema com os factos que retrata, a ponto de fazer sentido perguntar de que modo o cinema pode oscilar entre ser um observador e um indutor desses mesmos factos. Nesta perspectiva, vale a pena completar a visão de "Torre Bela" com o notável "Linha Vermelha" (2012), de José Filipe Costa, uma memória/investigação do contexto em que o filme de Harlan foi rodado.