21 Mai 2014 1:51
Vale a pena não desistirmos do humanismo. Que é como quem diz: podemos continuar a acreditar na energia e na sinceridade do cinema dos irmãos Dardenne, da Bélgica — com "Deux Jours, Une Nuit", eles regressam a Cannes com um filme em tudo "igual" aos anteriores, mas surpreendendo sempre pelas suas singularidades emocionais e também pela subtileza das suas componentes sociais.
O que se passa é, de uma só vez, cristalino e infinitamente complexo. Ou seja: Sandra — interpretada pela admirável Marion Cotillard — está empenhada em conseguir manter o seu posto de trabalho; na prática, se a maioria dos seus colegas aceitar os bónus propostos pela administração, a empresa sofrerá uma reconversão que se traduzirá no despedimento de Sandra… Os dois dias e uma noite que o título refere correspondem ao fim de semana em que ela vai tentar convencer os colegas de trabalho a recusarem os bónus.
Tal como em "Rosetta" (1999) e "A Criança (2005), ambos distinguidos em Cannes com a Palma de Ouro, Jean-Pierre e Luc Dardenne mantêm-se fiéis a um realismo austero, matematicamente controlado, que possui a capacidade invulgar de nos fazer entender as crises sociais e económicas que perpassam nos mais banais destinos individuais. Aliás, em boa verdade, a banalidade atrai, aqui, a máxima complexidade.
Não será surpresa para ninguém se os Dardenne voltarem a sair de Cannes com alguma distinção — afinal de contas, eles são também artistas fiéis às componentes do seu universo, sem que isso impeça uma frondosa e fascinante criatividade. Seja como for, Marion Cotillard, hoje em dia a mais internacional das estrelas francesas, pode ser a vencedora (apoteótica) do prémio de interpretação feminina.