03 Jul 2024
Clássico do cinema e uma das obras mais relevantes da cinematografia de Francis Ford Coppola, é a história de um casal que termina uma relação, na exata data em que celebra o quinto aniversário.
O filme acontece em Las Vegas, teve uma produção atribulada e levou à falência o realizador enquanto procurava, de certa forma, recuperar, no início dos anos de 1980, a magia do musical clássico de Hollywood.
Máquina do tempo
Para compreender melhor o ambiente e as causas dos problemas que afetaram “One From the Heart”, vamos recuar a 1982 e olhar para o cartaz de cinema na época.
O filme mais visto em 1982, foi “E.T. – O Extraterrestre”, de Steven Spielberg. Entre os mais populares nas salas nesse ano estavam também “Rocky III”, a comédia juvenil “Porky’s”, uma adaptação ao cinema de “Star Trek”, o policial “48 Horas” com Eddie Murphy, o romance “Oficial e Cavalheiro”, que consolidou Richard Gere como uma grande estrela da década, e o filme de terror “Poltergeist”.
No cinema norte-americano começava outra era. Tinha acabado o turbilhão da Nova Hollywood, o movimento informal que apareceu em meados dos anos 60 e gerou filmes como “Bonnie & Clyde”, de Arthur Penn, “The Graduate – A Primeira Noite”, de Mike Nichols (ambos de 1967), ou “Easy Rider” nascido da colaboração entre Peter Fonda e Dennis Hopper em 1969.
O sistema em que os estúdios controlavam a totalidade do processo criativo e de lançamento e estreia dos filmes terminara quando um tribunal obrigou as majors a vender as salas de cinema. Uma nova cultura e as mudanças sociais da época fizeram o resto.
Aos poucos desapareceram os grilhões do código Hays, o odiado código de censura e auto-regulação dos estúdios.
Durante um breve período, Hollywood libertou-se do formato clássico. Aumentou a violência no ecrã, a nudez e o sexo tornaram-se frequentes, os filmes deixaram de ter sempre um final feliz. Os realizadores, alguns deles jovens recém-saídos das escolas de cinema, ganharam um ascendente inédito e conseguiram contar histórias de forma que o público jamais vira.
Esta onda, que começou com sucesso, terminou com uma sucessão de falhanços de bilheteira. O mais conhecido será o de “As Portas do Céu”, de Michael Cimino, que, em 1980, obrigou a United Artists a fechar portas.
Os estúdios desistiram de passar cheques em branco aos realizadores e Hollywood voltou a apostar pelo seguro.
Dois jovens cineastas que tinham integrado a Nova Hollywood foram determinantes no seu fim e claramente responsáveis na transição para os anos 80, pela definição de um cinema mais popular: Steven Spielberg, com “Tubarão” (1975), e George Lucas com “Star Wars” (1977), mostraram o caminho para um novo cinema comercial e criaram um futuro feito de blockbusters – filmes de grande público estreados em muitas salas em simultâneo, com o objetivo de ganhar o máximo de dinheiro no mínimo de tempo.
Foi neste ambiente que Francis Ford Coppola decidiu que queria fazer um musical intimista rodado em estúdio.
Na ressaca da grande aventura cinematográfica que foi “Apocalypse Now”, uma produção épica, dispendiosa, histórica, que estabeleceu também uma boa relação com os espectadores e foi premiada com a Palma de Ouro no festival de Cannes, Coppola queria trabalhar num projeto de filme mais controlado, em vez de passar longos meses na selva.
Um pequeno filme intimista
No início dos anos 80, Coppola tinha acabado de comprar um antigo estúdio que transformou na Zoetrope. É aqui que vai produzir o seu musical romântico.
Em pouco tempo, começou a pedir mais meios, mais cenários, decidiu experimentar com o vídeo para planear a rodagem e pediu ainda mais pessoas para criar a sua Las Vegas teatralizada e estilizada, incluindo parte de um aeroporto com aviões e pista de aterragem incluída.
Os custos ficaram descontrolados e “One From the Heart” transformou-se num pequeno monstro que Coppola foi incapaz de domar.
O filme correu três estúdios. Começou na MGM, em pouco tempo passou a ser da Paramount e, quase no fim, é assumido pela Columbia.
Uma sessão prévia para exibidores em São Francisco, onde é exibida uma cópia de trabalho, inacabada, leva os exibidores a desistir de levar o filme. Qualquer espécie de boa vontade que Coppola tivesse ganho com “Apocalipse Now”, perdeu-se quando os donos dos cinemas viram uma cópia por polir de um filme feito em estúdio, com música, dança, e uma estranha história filmada com movimentos ondulantes de câmara, muito néon e muita teatralidade. Nada disto agradou, nem aos exibidores, nem a grande parte da crítica, na altura.
Na época, a receita total de bilheteira na América do Norte pouco ultrapassou os 600 mil dólares. A conta da produção, essa, andava nos 26 milhões. Coppola abriu falência pouco depois.
Uma história que se repete
“One From the Heart” volta a ser reapreciado, numa altura em que, curiosamente, se fala das semelhanças com a recente produção de “Megalopolis”, exibido em estreia mundial no Festival de Cannes, em maio. Sem ter tido uma receção calorosa, muito menos consensual, não recebeu prémios e do ponto de vista de produção também foi dispendioso, com Coppola a assumir os riscos financeiros para concretizar a visão que propõe em “Megalopolis”.
Tal como em “One From the Heart”, também se diz que “Megalopolis” é complexo, bizarro, e desagrada a muita gente.
A distribuição nos EUA continua tremida. Até agora, há apenas a garantia de que será exibido em ecrãs IMAX.
Em Portugal, a estreia foi marcada para outubro, cortesia da Midas Filmes, que também distribui este “One From the Heart: Reprise”, uma novidade produzida há mais de 40 anos, que tem fartos argumentos para justificar a ida ao cinema e o regresso a um tipo de cinema que já não se faz nos Estados Unidos. Um filme estilizado, um musical onde as personagens não cantam, mas dançam ao som das canções de Tom Waits e Crystal Gale, fundamentais para criar o ambiente que rodeia esta história de amores desavindos e de uma viagem a Bora-Bora que nunca aconteceu.