15 Mai 2014 23:50
Na apresentação do filme de abertura de "Un Certain Regard" — "Party Girl", do trio Marie Amachoukeli, Claire Burger e Samuel Theis —, Thierry Fremaux (delegado geral do Festival de Cannes) fez ironia sobre o conceito da secção: nela se pode encontrar a contestação da selecção oficial proveniente da… selecção oficial.
Digamos que "Party Girl" cumpre essa função de agitador das águas. Não exactamente por recuperar um modelo tradicional do conto de fadas "proletário": a mulher que, num cabaret, dança para os homens até que um dia um deles lhe propõe casamento… Antes porque o faz através do reinvestimento num naturalismo que, hoje em dia, sobretudo graças à televisão, constitui uma espécie de moeda franca nos circuitos da ficção audiovisual.
Por um lado, o filme possui a energia própria de uma deambulação fortemente apoiada na naturalidade (hélas!) dos actores, em particular o par central Angélique Litzenburger/Joseph Bour. Por outro lado, dir-se-ia que o valor da espontaneidade (cujo conceito é, em si mesmo, discutível) vai servindo para mascarar a facilidade dos ziguezagues do argumento, supostamente caucionado pela sua lógica "documental".
No limite, podemos dizer que "Party Girl" pertence a um cinema com evidente energia criativa, mas bloqueado numa profunda contradição estética: a de voltar a acreditar nos actores, dispensando qualquer reflexão minimamente elaborada sobre o espaço e a sua dramaturgia — a câmara segue, à mão, em movimentos mais ou menos atabalhoados, dispensando o gosto da composição, quer dizer, a responsabilidade do olhar.