12 Jun 2024

“Pedágio” é um filme sobre a relação entre mãe e filho, um elo familiar a que a realizadora brasileira Carolina Markowicz atribui a característica de personagem:

“Costumo dizer que a personagem principal de “Pedágio” é a relação entre uma mãe, a Suellen, cobradora de portagem, e o seu filho Tiquinho, que é um adolescente, mas não da maneira que ela queria, ele é um pouco mais efeminado.”

Determinada a mudar o filho, a mãe junta dinheiro e inscreve-o num workshop de suposta “cura” onde se usam métodos pouco ortodoxos.

Depois de “Carvão” e “O Órfão”, curta-metragem distinguida em Cannes com o Queer Palm, “Pedágio” é a segunda longa-metragem de Carolina Markowicz. Um filme onde a homossexualidade de um jovem e a negação por parte da mãe guiam a dramaturgia.

Carolina Markowicz, realizadora do filme “Pedágio”.

Perante o panorama político e social vivido no Brasil, a cineasta brasileira sentiu a urgência em falar nestes temas envolvendo a comunidade LGBT:

“Teve um momento nos últimos anos no Brasil onde houve um escárnio muito grande com a população LGBT, assim, do ponto de vista político também, então a gente via pessoas ocupando lugares muito relevantes (…) falando coisas absurdas”, lembra.

“Eu acho que veio daí um pouco essa angústia, dessa contradição onde os reais problemas não são considerados problemas e o que não é um problema, é uma característica, é considerado problema e até uma doença”, explica Markowicz que estranha como a “construção religiosa e social” chegou a um ponto em que “as pessoas ainda estão preocupadas com a sexualidade alheia”.

“Todos esses elementos, eu acho que esses são os principais que me motivaram a fazer o filme”, conclui.

Suellen é a mãe atormentada em “Pedágio”. Interpretada pela atriz Maeve Jinkings, enfrenta vários dilemas. A trabalhar numa portagem, é tentada a seguir o caminho do crime para pagar o suposto tratamento que irá curar a homossexualidade do filho.

Maeve Jinkings interpreta uma mãe que tenta “curar” a homossexualidade do filho.

Carolina Markowicz não faz juízos de valor da personagem:

“Eu não queria mostrar essa mãe como sendo uma grande vilã ou uma pessoa má. Não, ela é produto de uma sociedade que ensina que ela tem que agir e criar o filho de uma maneira tal qual a ele virar algo, outro produto também já pré-estabelecido que represente um masculino da maneira como a sociedade vê como sendo correto, ou como sendo motivo de orgulho… Ou seja, essa mãe é uma oprimida em relação a isso também.”

A cineasta lembra o ex-presidente do Brasil, Jair Bolsonaro, que chegou a dizer que preferia ter “um filho morto a um filho gay”. Para Markowicz, “isso não deixa de ser uma tentativa de cura”. Uma tentativa de inibir e causar vergonha.

O ator Kauan Alvarenga interpreta o filho, Tiquinho. “Uma personagem em conflito interno”, explica Carolina Markowicz. Não nega o que sente, mas, ao mesmo tempo, quer agradar à mãe. Algo que a realizadora considera ser causa de “muitas feridas psicológicas”.

Kauan Alvarenga em “Pedágio”.

Se, por um lado, Tiquinho tem uma personalidade muito forte, por outro, deseja que a mãe tenha orgulho nele e seja feliz. “Então isso causa um conflito muito grande nele”, afirma.

A evolução da personagem da mãe em “Pedágio” é vista por Carolina Markowicz como a ironia do filme:

“(…) o menino quer estudar, quer fazer coisa e para isso ela não tem dinheiro de fato, ela tem uma vida muito complexa, muito difícil…”

Porém, “na cabeça dela o problema real é que o filho dela é gay, por isso ela precisa arrumar um dinheiro para pagar, então ela roubar para pagar uma cura gay, eu acho que isso resume muito a hipocrisia e a ironia que a gente vive no Brasil.”

O pastor da igreja que propõe a cura milagrosa é interpretado pelo ator português Isaac Graça. Para compor a personagem e tornar as cenas realistas, Carolina Markowicz falou com pessoas que passaram por situações idênticas:

“Em relação às curas, esses tratamentos, essas coisas absurdas, fiz bastante pesquisa, falei com bastante gente, li bastante, fui muito em igrejas, em cultos para assistir.”

Mesmo conhecendo a violência que acompanha os supostos “tratamentos”, Markowicz preferiu “colocar o foco em quem faz isso, em mostrar o ridículo, o absurdo de quem acredita e faz isso, mais do que na violência real que acontece, nesses cultos.”

As características da cidade de Cubatão, em São Paulo, levaram a realizadora a escolhê-la para o cenário de “Pedágio”.

“É uma cidade fascinante, fica em São Paulo, e você tem que passar por lá para ir para o litoral e tem aquelas indústrias, é quase uma coisa meio-distópica assim, quando você passa por lá, eu sempre fui fascinada por essa cidade e no começo nem tinha pensado nela para retratar no filme, mas depois acabou fazendo todo sentido”, conta.

O filme levanta várias questões sobre como falham as respostas mesmo das sociedades mais abertas. Carolina Markowicz assinala que o Brasil é um dos países onde é maior a perseguição à comunidade LGBT:

“O Brasil é o país que mais mata a população trans no mundo, tem uma violência contra a LGBT absurda, ou seja, é um problema real que acaba desembocando em violência física, então eu acho que nesse sentido acaba indo para além de questões morais e teóricas, porque as pessoas morrem, então eu acho que é uma questão muito grande.”

“Pedágio”, uma história sobre o amor entre mãe e filho, retrata a opressão e violência sofrida por quem se assume ser diferente.

  • Margarida Vaz
  • 12 Jun 2024 22:48

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