03 Dez 2024

Cinco anos depois de ser homenageado com o Leão de Ouro pela carreira, o espanhol Pedro Almodóvar conquista o prémio máximo do Festival de Veneza. “O Quarto ao Lado”, foi consagrado com o Leão de Ouro atribuído ao melhor filme do festival. Na hora de agradecer, o realizador espanhol falou do tema delicado e polémico que quis explorar, o direito à escolha sobre o momento da morte, e deixou um apelo:

Poder despedir-se do mundo de forma limpa e digna é um direito fundamental de todo o ser humano. Não é um assunto político, mas humano, e deve ser abordado através da humanidade. Por isso, os governos devem aprovar as leis adequadas para que possa ser assim.

Sei que este direito atenta contra as religiões e credos que tem em Deus como única fonte de vida, e como tal, o único a poder terminar com ela. Peço aos praticantes de qualquer credo religioso que respeitem e não intervenham em decisões individuais a este respeito. O ser humano deve ser livre para viver e para morrer quando está em sofrimento.

A primeira longa-metragem de Pedro Almodóvar falada integralmente em inglês, é interpretada pela norte-americana Julianne Moore e pela britânica Tilda Swinton, que regressa ao universo do realizador depois de “A Voz Humana”, filme de 30 minutos que marcou a primeira experiência de Almodóvar em inglês.

Em “O Quarto ao Lado”, o realizador decide assumir o desafio integral de um filme totalmente falado em inglês e passado nos Estados Unidos:

Para mim é como se fosse uma nova era, um filme em inglês, como podia ser ficção científica. Precisava apenas do veículo perfeito para o fazer, e encontrei-o nas páginas de um livro de Sigrid Nunez.

O livro é impossível de adaptar na totalidade, mas fiquei muito interessado no capítulo em que a personagem de Julianne Moore vai ao hospital ver a amiga. Decidi desenvolver uma história com estas duas personagens e com a morte por meio.

Martha e Ingrid, Tilda Swinton e Julianne Moore. Duas amigas enfrentam a morte que espreita a vida de uma delas, vítima de uma doença terminal. “O Quarto ao Lado” é um filme sobre a possibilidade de escolha do momento da morte, mas é também um filme sobre a vida, as escolhas e o amor que alimenta uma amizade capaz de resistir a tudo:

Este filme é um retrato de autodeterminação, alguém que decide tomar o controlo da sua morte, da forma como vive e como morre, dentro do que é possível. Creio que os filmes do Pedro têm uma tremenda força de vida, e respondemos a isso.

Como se nos filmes dele conseguíssemos ouvir os corações uns dos outros. Muito do que está aqui questiona o que significa estar vivo, o que significa um ser humano, o que significa ter um corpo, o que significa ter um amigo, ou ter uma testemunha.

Para mim, enquanto Ingrid, fiquei tocada por esta personagem que diz ‘estou aqui para ti’. Ela estava com medo, estava aterrorizada, a morte era algo que estava distante. Mas através desta amiga de longa data, que conhecia desde a faculdade, decide estar presente. E isso dá-lhe a sensação de estar mais viva.

As duas atrizes confirmam que o talento ultrapassa a geografia dos países. Pedro Almodóvar juntou no ecrã uma dupla de peso, e ficou encantado com o resultado:

Ambas perceberam exatamente o tom que eu queria para esta história. Tinha de ser mais contido, austero, emocional, mas sem ser melodramático.

Tive muita sorte, porque há muitos temas que o filme aborda, mas o principal de todos é o festival de representação, que são estas duas mulheres, a Tilda e a Julianne, a representarem juntas.

Pedro Almodóvar deixa o melodrama, que parece confundir-se com a cultura espanhola, e desenvolve um drama em torno de um tema difícil. O realizador filmou nos Estados Unidos, mas podia ter sido em qualquer outro lugar. Aqui, o tema é universal, e o foco do realizador, que tem uma filmografia recheada de mulheres, mantém-se intacto:

Será que o filme é uma análise da sociedade americana? Não, mas eu sei como criar duas personagens cheias dos anos 80. Conheço muito bem as mulheres desta geração.

Nesta história, duas mulheres decidem enfrentar a morte porque uma delas quer morrer de forma digna e junto de alguém que lhe dê amparo. A morte, vista por Almodóvar, é apenas uma forma de expressar, no cinema, emoções que espalham o nosso lugar no mundo:

Em última análise, o meu filme é uma resposta aos discursos de ódio que se ouvem todos os dias, pelo menos em Espanha, e penso que no resto do mundo.

Este filme é o oposto destes discursos. Todos estamos a ter problemas com a imigração, na Europa, países como Espanha ou França e, apesar do filme ter uma história muito pessoal, eu quero enviar uma mensagem.

Tal como a Ingrid se entrega por completo a esta amiga, devíamos fazer o mesmo pelas crianças que estão desacompanhadas e tentam chegar às nossas fronteiras.

O filme fala de uma mulher que está a agonizar num mundo que também está a agonizar. Creio que a única solução é que cada um, a partir do seu lugar, deve manifestar-se contra este negacionismo.

Em Veneza, Pedro Almodóvar contou que uma consagrada escritora espanhola lhe fez uma dedicatória que dizia que a alegria e a felicidade são a melhor forma de resistência.

“O Quarto ao Lado”, parece um espelho desta ideia, um filme de esperança e de dádiva, mesmo que tenha no centro a ideia da morte.

Julianne Moore e Tilda Swinton são o par perfeito, concretizado no cinema de Almodóvar e que pode chamar a atenção na temporada de prémios que leva até aos Óscares.

  • Lara Marques Pereira
  • 03 Dez 2024 09:41

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