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22 Nov 2025

Em “Pequenos Clarões”, Isabel aceita o pedido da filha Madeleine e vai cuidar do ex-marido Ramón, que está gravemente doente e com quem não se relaciona há 15 anos. O filme reúne temas como a morte, as memórias, o que se esquece e o papel da família na vida de cada um. A realizadora, Pilar Palomero, encontrou o argumento no conto “Um Coração Demasiado Grande”, da escritora espanhola Eider Rodríguez, e deixou-se emocionar pela história:

Quando li o relato de Eider, fiquei muito emocionada com a história. Não apenas por ser uma mulher que, por amor à filha, reencontra o ex-companheiro, com quem percebemos que não acabou bem, mas pela pura humanidade com que se aproxima nos últimos dias de vida dele.

Leva-nos logo a pensar ‘que faria eu?’ E a pensar que há uma coisa que acontece a todos nós, todos nós, em maior ou menor grau. Tivemos pessoas nas nossas vidas, seja um ex-companheiro, um ex-amigo, um familiar, que devido a problemas de comunicação, ou de relacionamento, passaram a ser uns desconhecidos.

Isso leva-me a perguntar se continuamos a sentir algo por essa pessoa, se há algo que não desaparece, não da mesma forma que não esquecemos alguém quando morre, mas alguns lampejos que essa pessoa nos deixa e nos constrói como somos.

Para mim, o filme faz parte dessa ideia, como Isabel, a protagonista, faz essa viagem, não para rejeitar uma pessoa que para ela faz parte do passado, mas para entender que faz parte do que ela é, que é o presente e que também será o futuro.

Num filme de sentimentos contidos, Pilar Palomero mostra diferentes formas de amor:

Outra coisa de que gosto muito na história, e que acho que está no filme, é que todas as personagens se amam de maneiras diferentes, ou seja, todos fazem as coisas por amor.

Isabel, no final, cuida do ex-marido por amor à filha. Nacho, o seu atual companheiro, dá um passo atrás, embora isso o magoe por amor a Isabel. O mesmo acontece com a filha e com o pai, os dois, pelo amor que sentem um pelo outro, também se sacrificam para tentar estar felizes num momento tão triste. E isso também me agrada, porque queria evitar o tom melodramático. Queria evitar que fosse um filme sobre a morte, queria que fosse sobre a vida e sobre as emoções que sentimos.

Apesar de não ser autobiográfico,”Pequenos Clarões” surgiu quando Pilar Palomero estava de luto pela morte do pai, ajudou a realizadora a criar uma relação mais forte com a vida e a ter maior consciência da finitude:

Foi algo que me tocou muito ao ler a história. Tinha vivido a morte do meu pai há alguns anos. Não é um filme autobiográfico, a história não é, mas revejo-me no que o médico de cuidados paliativos diz. Vivi de perto a morte de um ente querido, o meu pai, isso ajudou a ligar-me com a vida, de forma muito simples, muito pouco intelectual.

De repente, passei a sentir mais os elementos em redor, o sabor, o calor do sol, também a estar mais presente, a prestar mais atenção à pessoa que está à nossa frente. Queria, acima de tudo, que o filme fosse quase uma proposta, um convite a experimentar, a fazer a viagem que a Isabel fez e a sentir mais, ser mais consciente da finitude da vida.

No filme “Pequenos Clarões”, o diálogo entre o médico e a personagem de Ramón é muito intenso, a equipa de cuidados paliativos é real. Num tema tão sensível, a cineasta quis transmitir veracidade:

Há uma cena em que uma equipa de médicos paliativos vai ver a personagem Ramón. É uma equipa de cuidados paliativos real, ou seja, estão a interpretar-se a si mesmos.

Pablo, o médico que fala, tem dedicado a vida aos cuidados paliativos e é um sábio. Essa cena é muito improvisada, quase como se a ideia fosse recriar uma reunião real.

Enquanto filmávamos, sentia que Pablo dizia coisas que para mim eram a razão de ser do filme.

Há uma frase que tenho gravada, porque já vi o filme mil vezes: ‘a presença da morte torna a vida mais interessante’ e, embora não tenhamos que nos apegar à ideia de que vamos morrer, saber que temos uma data de validade é bom, não é? Ou seja, é importante também não viver de costas para a morte.

Durante a escrita do guião, Pilar Palomero visualizou logo os locais onde gostaria de filmar. A cineasta sentiu que esta história só poderia acontecer em Horta de San Juan, uma localidade perto da cidade de Tarragona, de onde é a família:

Para sentir o filme como meu, porque também queria falar sobre as minhas próprias experiências, sobre o luto e a dor, senti que tinha de levá-lo para o meu terreno e por isso filmámos nesta aldeia chamada Horta de San, que fica em Tarragona.

Eu sou de Saragoça, mas a minha família é desta aldeia. Temos uma pequena casa rural lá, estamos muito ligados a este lugar. Não me imaginava a filmar noutro lugar e também porque vivi todo o luto pelo meu pai ali.

Isso permitiu-me o luxo de escrever o guião, sabendo onde ia filmar. Há cenas que nascem do local, por exemplo, quando vão à procura de fósseis, é um local onde, quando era pequena, ia com o meu pai à procura de fósseis.

Quando estão a caminhar por um campo de oliveiras, esse terreno é da minha família.

Além disso, filmei muitas curtas-metragens em Horta. Ou seja, fazia muito sentido para mim que o filme acontecesse lá, que tivesse o aroma deste lugar.

Incluir a família no filme foi outra vontade da realizadora:

Há uma cena em que aparece toda a minha família, é a família que vai ver a casa rural. São a minha mãe, os meus irmãos, os meus sobrinhos.

Também existiu uma vontade de que fosse um filme muito dedicado a mim, à minha família, porque até então não tínhamos conseguido fazer essa despedida, não tínhamos feito este exercício de ter os lampejos, não numa experiência tão dolorosa como é a perda de alguém que se ama, mas de tentar ficar com o que é bom, com a lembrança bonita.

Com o filme acho que fizemos isso. E depois, eu sou como sou, também por causa desta aldeia. O lugar onde cresces, quando és pequeno, também te constrói. Não me imaginava em nenhum outro lugar.

A leitura de uma passagem do livro “Platero e Eu” surge em “Pequenos Clarões” como forma de evocar a memória do pai da realizadora Pilar Palomero:

A referência ao livro é uma homenagem ao meu pai. Ele era de uma aldeia perto de Salamanca, filho de uma família de agricultores muito humilde e o único livro que ele guardava da infância era “Platero e Eu” [de Juan Ramón Jiménez]. Para mim, esse livro lembra-me o meu pai. O facto de estar no filme é uma homenagem.

Pilar Palomero faz parte de uma nova geração de cineastas espanholas Estreou-se nas longas-metragens com “Las Niñas”, com o qual conquistou vários prémios Goya do cinema espanhol: melhor filme, melhor realizadora-revelação, melhor argumento original e fotografia:

Somos um grupo muito grande de mulheres realizadoras. Isso é bom, porque houve uma mudança percetível. Penso que é preciso passar algum tempo para ver se não foi algo passageiro, ou se realmente aconteceu alguma coisa.

Tenho essa sensação de comunidade, porque sou muito amiga das outras cineastas. Partilhamos muito entre nós. Partilhamos guiões, vemos as montagens, damos opiniões.

O sucesso de uma alegra-nos muito, porque também nos abre portas. Ajudamo-nos muito. E essa irmandade que existe é realmente bonita e boa. Há uma sensação de uma nova geração. Depois, o tempo dirá, tal como com os filmes, o que perdura e o que desaparece.

  • Margarida Vaz
  • 22 Nov 2025 12:46

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