5 Set 2022 17:16
"Não sei se os filmes têm o poder de parar a raiva", diz o cineasta Romain Gavras, em competição no Festival de Veneza com "Athena", um filme que imagina a insurreição de uma cidade numa França em plena guerra civil.
"Nunca se sabe se os filmes têm impacto nas pessoas. Para mim, foi (ver Marlon Brando no ecrã) que me deu vontade de fumar… Depois, quando se está cheio de raiva, não sei se ver um filme o vai parar", disse o filho de Costa-Gavras em entrevista com a AFP em Veneza.
"Por outro lado, dar a visão, como fez a tragédia grega, de um futuro sombrio, é interessante", continuou o realizador, que se libertou de qualquer preocupação com o realismo para este filme de impacto, com uma estética a meio caminho entre "Gladiador" e "Apocalypse Now", que mergulha numa cidade em fogo e sangue.
No filme (online a 23 de setembro na Netflix), imbuído de um antigo sentimento teatral, a insurreição irrompe numa cidade desfavorecida, que exige justiça após a morte de um jovem. Fora do ecrã, a França cai numa guerra civil agitada pelas provocações da extrema-direita.
Tal distopia "permite-lhe explorar um pesadelo, o que as coisas se podem tornar, e contá-lo de forma simbólica", sublinha o cineasta, autor de numerosos videoclips.
"Tinha total liberdade" para filmar, diz Romain Gavras que acredita que "não são os filmes que atiram petróleo para o fogo".
Apesar de recusar fazer qualquer diagnóstico político ou falar em "mensagem", em "Athena" Gavras alimenta-se dos acontecimentos recentes, desde a repressão das manifestações dos "Coletes Amarelos" até à ascensão da extrema direita.
"A aceleração para pior, sentimo-la em quase todo o mundo, em França, na Grécia, nos Estados Unidos… Somos alimentados por tudo quando fazemos um filme", explica. "Quando um país é frágil, é fácil explorar a atmosfera geral", observa o realizador, que mostra a extrema direita a espalhar rumores tóxicos em "Athena".
"Queríamos mostrar de forma intemporal que as tensões vividas agora são as mesmas que temos vivido desde a Grécia antiga, ou mesmo desde a pré-história… É sempre a mesma coisa, interesses diferentes que empurram para a guerra, para o conflito. E no terreno, são as pessoas que têm uma dor íntima que vão estar na linha da frente.
Aos 41 anos, Romain Gavras, co-fundador do colectivo cinematográfico Kourtrajmé há duas décadas, admite que partilha com o seu pai Costa-Gavras, 89 anos, "uma forma de ver o mundo de uma forma não maniqueísta, onde tudo é um pouco mais complexo do que apenas a divisão entre os bons e os maus da fita, algo que é preciso tentar compreender e pôr em forma" no ecrã.
Que lições aprendemos de um pai como Costa-Gavras, monumento vivo do cinema político? "Aprendi com ele a ser rigoroso… e a escovar os dentes todas as manhãs!"