23 Mai 2020 16:30
Digamos que não é fácil acreditar em absoluto na luminosa boa disposição do rosto de Jack Torrance… Ou não fosse ele uma das personagens mais contraditórias e fascinantes da filmografia de Jack Nicholson.
Provavelmente, mesmo quem nunca viu o filme de onde provém a imagem — "Shining" (1980), de Stanley Kubrick —, sabe reconhecer a sua origem e até, eventualmente, poderá discorrer sobre a genial versatilidade de Nicholson.
A sua pertença à história e à mitologia do cinema é tanto mais forte, e inapagável, quanto estamos perante um objecto que desafia qualquer rótulo, a começar pelo mais automático e banal de "filme-de-terror". Talvez por isso, Stephen King, autor do livro que lhe serviu de base, tenha manifestado a sua desilusão perante a adaptação de Kubrick…
A vibração e a perturbação, numa palavra, a actualidade de "Shining" será tanto maior quanto a sua dimensão de fábula realista está longe de se ter dissipado — aqui está, de facto, um filme que nos dá a ver a relação do humano com os seus fantasmas, questionando a transparência dos espaços mais tradicionais da nossa existência, a começar pela família.
Na trajectória criativa de Kubrick, "Shining" surge também como exemplo revelador da agilidade narrativa e estética do seu criador, nunca ficando preso a qualquer género ou temática. Antes, tinha assinado "Barry Lyndon" (1975), perversa reinvenção do "filme-histórico"; depois, realizaria "Nascido para Matar" (1987), singularíssimo retrato da guerra do Vietname, terminando a obra (e a vida) com "De Olhos Bem Fechados" (1999), um fulgurante melodrama virado do avesso.
Para a história, e porque as efemérides podem envolver um especial valor cognitivo e afectivo, lembremos que "Shining" se estreou a 23 de maio de 1980 — ou seja, há exactamente 40 anos.