21 Mai 2022 12:36
A competição de Cannes mergulhou nas águas turvas da religião e da política esta sexta-feira com "Walad Min al Janna" (traduzível como "O Rapaz do Céu"), um thriller complexo ambientado na Universidade Al-Azhar do Cairo, a instituição líder do Islão Sunita.
Realizado por Tarik Saleh, o filme tem lugar após a morte do Grande Imã de Al-Azhar, uma autoridade para milhões de crentes.
Quem lhe sucederá? Religiosos, Irmãos Muçulmanos quem prometem um Islão político, serviços de segurança do Estado, liderados pelo Marechal Al-Sissi, em competição com o poder espiritual dos imãs… A nomeação do sucessor surge como um jogo de xadrez em que todos querem ter uma palavra a dizer, e onde todas as jogadas são permitidas.
Como um peão no meio deste tabuleiro de xadrez está o filho de um modesto pescador, Adam, acabado de chegar à universidade. Tudo corre mal quando um estudante forçado a atuar como agente infiltrado para a temida Segurança do Estado, é assassinado.
Ibrahim, um oficial da polícia política, obriga Adam a substituir o agente morto. Mas quem está a manipular quem?
Durante um pouco mais de duas horas, Tarik Saleh joga com falsas pistas e intenções e revisita os clássicos das histórias de detectives num cenário raramente filmado, desde os cafés "à americana" do Cairo, onde o polícia e o agente infiltrado se encontram diante de um latte, até aos corredores da instituição religiosa.
Nascido em Estocolmo de mãe sueca e pai egípcio, Tarik Saleh, que diz ser "indesejável" no Egipto desde o seu filme anterior, foi incapaz de filmar na prestigiada universidade com as suas centenas de milhares de estudantes, retirando-se para o esplêndido cenário da Mesquita Süleymaniye em Istambul.
Após o seu thriller anterior, o altamente aclamado "Cairo Confidential" (2017, Grande Prémio do Júri em Sundance), que descreve um regime policial violento e corrupto, o realizador muda o foco, concentrando-se mais nas lutas entre o poder político e espiritual, mas mantendo a sua visão intransigente do Egipto. A ideia do filme surgiu-lhe enquanto relia "O Nome da Rosa", o clássico de Umberto Eco, que tem lugar numa abadia.
Embora seja uma história ficcional, o filme possui um forte elemento autobiográfico: "Tal como a personagem principal, também o meu avô vem de uma pequena aldeia piscatória e estudou na Universidade de al-Azhar", a principal instituição do mundo sunita.
De certa forma", continua, "este filme é uma carta de amor ao Egipto e uma homenagem aos meus avós".
O homem que descobriu o país do seu pai aos 10 anos explica que o Egipto ocupa um lugar especial na sua vida: "Adoro os egípcios, a sua língua… Quando a ouço, é como se fosse música para mim. Mesmo que o meu nível de árabe seja catastrófico!""
Tarik Saleh nem sempre foi cineasta. Começou como artista de rua, depois mudou-se para o cinema documental. Em 2005, o documentário que produziu sobre a prisão militar de Guantánamo ganhou prémios nos Estados Unidos e na Europa.
"Detesto ser cineasta", diz com seriedade quando questionado sobre a sua vocação. "Venho do mundo da arte e da pintura e gosto de estar sozinho. Detesto estar com 200 pessoas num plateau de cinema. Embora adore cinema, ainda é muito doloroso para mim.
E confessa que se vê mais como "um escritor". Tal como Harlan Coben, ou John Grisham, dois mestres da história de detectives, o Saleh alimenta cada um dos seus roteiros com enredos intermináveis. "Dizem-me sempre para simplificar, porque senão ninguém consegue percebê-los".