A Turquia vista por Ceylan — da natureza ao anti-naturalismo

19 Mai 2018 18:05

Há uma maldição do último filme de Cannes que, todos os anos, ameaça repetir-se… Não poucas vezes, grandes filmes, apenas porque ocupam o último lugar na lista de projecções, acabam por ficar algo secundarizados. Assim poderá acontecer com "Le Poirier Sauvage", do turco Nuri Bilge Ceylan, que terá tido (sexta-feira) a projecção de imprensa com menos espectadores… Isto sem esquecer que ele já ganhou uma Palma de Ouro, em 2014, com "Sono de Inverno".

Pode dizer-se, aliás, que "Le Poirier Sauvage" [video: entrevistas em Cannes] é um trabalho que prolonga temas e obsessões de filmes anteriores de Ceylan, nomeadamente "Climas" (2006) e "Era Uma Vez na Anatólia" (2011). Estamos mesmo perante uma personagem central — Sinan (Aydin Doğu Demirkol) — que, depois de concluir os seus estudos, regressa à sua aldeia natal, na Anatólia, alimentando a ideia mais ou menos utópica de ser escritor…



Digamos, para simplificar, que Ceylan é um cineasta da passagem do tempo, do seu carácter inexorável, do modo como somos aquilo que somos (e aquilo que imaginamos ser) a partir da consciência que temos (ou não temos) do lugar que ocupamos na voragem do tempo. O frágil herói de Ceylan é um discreto, mas épico, protagonista de tal movimento: através dele detectamos, afinal, muitos e fascinantes sinais de problemas específicos, das relações entre gerações até ao peso das matérias religiosas na sociedade turca.

Também um notável fotógrafo, Ceylan volta a tratar os espaços que filma, interiores e exteriores, como paisagens de toda uma vivência eminentemente interior. Apetece dizer que, ao filmar a natureza, ele se converte num anti-naturalista, de tal modo nos consegue revelar o que não se vê ou não se diz… Para simplificar, digamos apenas que "Le Poirier Sauvage" fica como um dos filmes maiores de Cannes/2018.
  • cinemaxeditor
  • 19 Mai 2018 18:05

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