10 Jan 2024
O livro ‘’L’Amour et les Forêts’’ do escritor Eric Reinhardt despertou na cineasta Valérie Donzelli o interesse em adaptar a história para o Cinema.
“O filme é sobre uma mulher que se apaixona por um homem. A história começa muito rapidamente e depois, aos poucos, ela começa a perceber que está numa espécie de prisão construída à sua volta, que perdeu toda a liberdade e quer escapar e recuperar a liberdade. É um amor que se revela pouco a pouco, de um homem positivo, ciumento e que não suporta ver a mulher viver sem ele.”
A intenção foi fazer um thriller psicológico, contado a partir do olhar da vítima.
“Tínhamos o enredo do livro, mas depois havia uma espécie de desejo de fazer um filme do ponto de vista da vítima. Foi assim que construímos um thriller psicológico, pouco a pouco, de modo que o filme se fechasse à medida que a armadilha se fechava sobre a nossa heroína. E, depois, era uma questão de encontrar os meios para escapar a esta prisão.”
Os relatos de mulheres vítimas de violência doméstica e histórias pessoais ajudaram Valérie Donzelli a enriquecer a estrutura de ‘’Só Nós Dois’’.
“Uma amiga que viu o filme e perguntou-me: ‘É de loucos, falei-te desta cena no carro?’ Respondi que não. De facto, ela não me contou nada, mas viveu essa situação. Na realidade, as situações, as agressões repetem-se. Ou seja, os agressores exercem o poder, tomando as pessoas como reféns. Por isso, o carro é perfeito porque é um lugar de domínio. Uma vez que são eles que estão a conduzir e conduzem depressa, torna-se assustador, provocam o medo.”
“…[as vítimas] não se atrevem a falar com medo que lhes digam que são as responsáveis.”
O drama ‘’Só Nós Dois’’ mostra a violência psicológica e a violência física exercida sobre as mulheres que muitas vezes é levada ao extremo, até à morte.
“No livro não se fala de violência física, mas violência psicológica. É alguém que está a provocar feridas que não se veem. A vítima não se pode queixar porque ninguém sabe, ninguém vê. A noite, o agressor acorda-a, quer saber a verdade, fica louco, fora de si. Foi isso que retirei do livro. No filme, acrescentei a violência física.
Valérie Donzelli salienta a importância de se falar do feminicídio e das suas causas.
Quando o marido vê que já não tem a mulher nas mãos, isso assusta-o tanto que o único recurso que tem é a força. Por isso, quer tentar matá-la. É este o princípio do feminicídio, a mulher é um troféu que pertence ao homem, ao marido e a única forma de a manter é fazê-la desaparecer. É isso que o filme, também, conta, vai até onde ele é capaz de agir.”
” …[os] agressores (…) invertem a situação para se fazerem passar pela vítima…”
A realizadora fez questão de mostrar que a violência doméstica não escolhe estratos sociais. Em ”Só Nós Dois” a personagem principal é professora.
“Era muito importante para mim contar esta história com uma personagem intelectualmente desenvolvida, que é professora de francês, que gosta de literatura, que não é uma mulher imatura.”
A cineasta apresenta, também, um agressor quer passar a imagem de vítima.
“É esse o princípio dos agressores, ou seja, invertem a situação para se fazerem passar pela vítima e a vítima pelo agressor. É isso que mantém as vítimas num silêncio terrível, porque não se atrevem a falar com medo que lhes digam que são as responsáveis.”
Memórias de Lisboa
Valérie Donzelli tem boas memórias de Lisboa porque fez parte do elenco de ‘’Ondas de Abril ‘’ do realizador suíço Lionel Baier, uma comédia filmada em Portugal, que tem como cenário a revolução do 25 de abril.
“Adorei fazer esse filme, interpretar o papel, adorei ficar em Lisboa durante dois meses. Foram realmente momentos encantadores. É uma das minhas melhores recordações do cinema, enquanto atriz. No início, não viemos fazer uma reportagem sobre a revolução. A história era a de uma equipa de rádio suíça que veio a Portugal para ver a ajuda que os suíços tinham dado aos portugueses para a construção de escolas. E aparecem a meio de uma revolução, completamente pacífica, com flores. A verdade é que foi ótimo rodar o filme em Portugal, nesta atmosfera realmente fantástica.”
Lisboa é uma inspiração para a cineasta francesa Valérie Donzelli que não esconde a felicidade de um dia realizar um filme na capital portuguesa.
“Adoraria. Gostava muito de realizar um filme em Lisboa. Esta cidade inspira a comédia. Adoraria participar no filme, vejo-me nele. Gostava de escrever um papel engraçado para mim.”