

HOTEL AMOR: entrada sem reserva no caos e na comédia
Entre risos, dramas e uma protagonista à beira do colapso, Hermano Moreira, cineasta brasileiro radicado em Portugal, convida o público a viver o turbilhão escondido na receção de um hotel lisboeta.
“Hotel Amor”, uma comédia romântica realizada por Hermano Moreira, estreia esta semana nos cinemas.
Hermano, como está a ser a tua aventura no cinema em Portugal?
É uma aventura que começou no Brasil, em meados dos anos 2000, e está aqui em Portugal há mais de oito anos. Eu estou lançando esse segundo filme agora, o “Hotel Amor”, que pode ser visto em Portugal e que chegará ao Brasil no segundo semestre.
Tem sido uma aventura boa, com altos e baixos, mas muito satisfatória até então.
É interessante filmar em Portugal, considerando obviamente a tua origem?
Gosto muito da vida aqui em Portugal e não é diferente com relação ao trabalho. Encontrei uma equipe técnica muito competente desde o meu primeiro trabalho aqui.
É bom frisar que antes de fazer os filmes, cheguei a fazer algumas publicidades e aí conheci algumas pessoas, técnicos de som, diretores de fotografia, pessoas de guarda-roupa, e fiquei surpreso positivamente com a capacidade e profissionalismo das pessoas.
Aos poucos fui conhecendo também os atores, as atrizes, e confesso que tem sido um prazer e uma grata surpresa trabalhar com gente tão boa e tão competente.
O “Hotel Amor” apresenta-se como uma comédia romântica, mas tu gostas de o definir de outra forma.
A gente chama de dramédia, que nada mais é do que uma comédia com drama, uma comédia dramática. O guionista do filme, o Bruno Bloch, desde o começo, quando a gente começou a desenvolver a ideia do filme, a gente tinha isso. É uma comédia, mas não é, como a gente fala no Brasil, não é uma comédia pastelona, não é o riso pelo riso. A gente procura, claro, tem alguns clichês da comédia, alguns truques para levar as pessoas ao riso, mas tem sempre uma mensagem, ou então uma questão da vida, porque eu tento aproximar o meu cinema do meu do meu dia a dia.
Creio que que um bom drama vem com um toque de comédia e uma boa comédia para funcionar também tem que ter um drama, porque não é só o riso pelo riso.
Às vezes a gente ri de nervoso, ou ri por identificação, ou ri por medo, e eu acho que a gente tem um pouquinho disso no “Hotel Amor” e muito do riso pelo riso, mesmo.
Também é interessante olhar para o filme em função da comicidade que ele apresenta e como se suscita o riso, pensando na comédia portuguesa, ou brasileira. Sentes que há muita diferença? Porque apresentas um filme que se vai relacionar primeiro com o público português, como é óbvio, até por causa dos atores e do hotel onde foi rodado, da cidade onde acontece, do país onde estás. A comédia portuguesa é interessante, há algo que lhe falta, qual é a tua opinião?
É uma questão muito boa e ainda é difícil para mim, porque mesmo tendo oito anos, quase nove, aqui em Portugal, eu não tenho o mesmo senso de humor que a grande maioria dos portugueses. O meu senso de humor ainda é o senso de humor do brasileiro, que é diferente, não é nem melhor nem pior. É diferente.
E, no entanto, nós também entendemos o sentido do humor brasileiro, porque há humoristas e projetos de humor que têm um largo alcance em Portugal há muitos anos. Portanto, diria que o público português stá bastante familiarizado com o tom do humor brasileiro, conhece-o quase tão bem como a comédia portuguesa.
Sem sombra de dúvida, acho que essa é a grande diferença. O português, desde “Gabriela, Cravo e Canela” Canella, consome muito o audiovisual brasileiro, e também música, literatura. O brasileiro, onde me incluia até há nove anos, tinha muito pouco conhecimento do audiovisual português.
Claro, conhecia Manoel de Oliveira, já tinha visto filmes do Canijo, já conhecia alguns atores portugueses, mas é muito vasto o universo da arte aqui em Portugal feito não só pelos brasileiros, ou pelos moçambicanos, pelos angolanos, mas principalmente pelo português. Então, essa interação, não só com o humor, mas como com a arte portuguesa, é que eu tento passar para o Brasil nos meus filmes. Hoje, embora seja brasileiro, eu me sinto tão português, ou mais do que brasileiro.
A gente tinha um guionista brasileiro, no caso do “Hotel Amor”, que era o Bruno Bloch, mas a gente teve uma pessoa que adaptou não só o texto, mas algumas piadas também, ela sugeria isso aqui não funciona, vamos mudar para tal coisa. Então a Mariana Godet, que era essa pessoa, foi muito importante no processo. Porque não é simplesmente traduzir, é adaptar algumas coisas que no formato brasileiro não funcionavam. E agora, com a ajuda da Mariana, funcionou. E até mesmo os atores, durante os ensaios, eles contribuíam.
Como tem muitos atores portugueses, eu acho que esse filme é muito mais português do que o meu primeiro filme, o “Amo-te Imenso”, que era, aí sim, um filme mesmo luso-brasileiro.
Nesse sentido, a tua expectativa é que ele funcione melhor junto do público português, ou junto do público brasileiro?
A minha expectativa é para que ele funcione no mundo inteiro. Mas é difícil, né? Sinceramente, estou muito otimista. Eu acho que a gente tem ouvido coisas boas sobre o filme, mas eu acho que o grande objetivo da arte, em geral, é que chegue ao público.
Gostaria muito que a gente tivesse salas cheias, com pessoas gostando, com pessoas comentando, mas isso é um desejo. Vamos ver qual vai ser a realidade.
Resumindo a história, a ação do filme acontece num hotel em Lisboa, cruza hóspedes com funcionários e segue a vida pessoal e profissionala vida de uma gestora do hotel, chamada Catarina, numa fase particularmente caótica. Pretendes, através deste hotel, observar a vivência cotidiana das pessoas, o cruzamento das pessoas de nacionalidades, proveniências diferentes?
Absolutamente, acho que tem dois assuntos importantes aqui na sua pergunta. Um é esse, a gente ter esse mix de culturas que não só Lisboa, mas como Portugal tem, e que é muito interessante, você consegue ouvir quase todas as línguas do mundo em apenas uma tarde.
E o hotel é um micro espaço que a gente pode aplicar como macro.
Onde encontramos essas pessoas todas que estão obviamente a percorrer a cidade e a viver a cidade num determinado período.
Exato, isso causa alguma confusão porque cada um deles acaba querendo algumas coisas diferentes do usual, ou tem comportamentos um pouco extravagantes. Isso sim, acho que está muito bem colocado no filme.
A outra mensagem com que a gente brinca, mas também tem o seu tom sério, é sobre você abandonar ou esquecer um pouco da sua vida e viver apenas para o trabalho. É uma questão complicada porque tem pessoas que, principalmente no terceiro mundo, acho que na Europa menos, mas tem pessoas que, infelizmente, tem que ser assim para conseguir colocar o pão em casa.
A Catarina, personagem interpretada brilhantemente pela Jessica Ataíde, ela se esqueceu dela. Há algum tempo que só vive para aquele hotel e chega até a dormir no hotel para render mais. Então a gente toca se isso vale a pena, se isso é saudável.
Esse é o drama da personagem interpretada pela Jessica Ataíde, a gestora que está a tentar tocar o barco da melhor forma após ter sido sujeito a uma avaliação muito rigorosa e agressiva. Como foi escolhido o hotel que serve de cenário ao filme?
O Hotel Roma. Não podia ter escolhido um hotel melhor. Os donos tem uma cadeia de quatro hotéis, dois aqui em Lisboa e dois em Fátima. Tornei-me amigo do gestor do hotel enquanto fazia uma publicidade para o Hotel do Marquês.
A gente saiu um dia para um jantar e eu sou um grande fã da série “White Lotus” e gosto muito do cenário do hotel e sugeri que a gente fizesse uma série no hotel. O olhinho dele brilhou e perguntou, quanto tempo você precisa para fazer uma série? Eu falei, uns três, quatro meses. Aí na hora ele já murchou. Não, impossível. Aí fui dormir com aquilo, acordei no outro dia e liguei para ele. E se a gente fizesse um filme? Aí ele ficou animado. Quanto tempo a gente precisa para fazer um filme? Um mês, 45 dias. Isso acho que dá. Se filmar no inverno, acho que consigo.
Os ensaios foram em dezembro de 2023 e a rodagem em janeiro de 2024. E foi muito rápida porque a gente trabalhou em plano-sequência.
Para quem não viu, 16 planos-sequência, planos filmados continuamente, com a dificuldade que o plano-sequência implica, coordenar o tempo de entrada dos atores, a marcação no espaço, relação com a câmera e também os hóspedes, não é?
É, tinha essa surpresinha que eram os hóspedes, né? A gente ficava brava com eles, mas eles não tinham culpa de nada. Estávamos no final do lobby, por exemplo, a gente avisava todo mundo, olha, estamos fazendo um filme, por favor, fala um pouquinho mais baixo e não olhe para a câmera.
De repente, chegava um grupo, ou uma família, do elevador que não sabia nada disso. Estavam, no sexto andar, desciam, e a primeira coisa que faziam era olhar para a câmera. Ou para falar, olha está ali a Jéssica Ataíde, olha, a Júlia Palha. Aí, eu tinha que dar o corta.
Então, a gente teve dias que fazia poucos planos. Acho que teve dias que a gente chegou a fazer até menos de dez planos. E a gente sempre tinha dois muito bons e um reserva. Então, no mínimo uns cinco, seis takes por dia e a gente chegou a ter dias de ter que fazer quase vinte, mas acabou correndo tudo bem.
É obviamente uma opção técnica que te interessa. Porquê que aprecias o plano sequência?
No plano sequência a gente dá a ação, começa a filmar e a câmera só vai parar de filmar quando a gente der o corta e aí depois a gente não faz a cobertura, a gente não faz depois o contraplano, a gente não faz o close. Não há montagem nenhuma. Teoricamente, se a cena ficou boa, está pronto. E é isso.
Tenho duas grandes referências. Um filme alemão que se chama “Vitória” [Sebastian Schipper, 2015] e um outro filme russo que se chama “A Arca Russa” [Aleksandr Sokurov, 2022]. São filmes bem distintos. “O Arca Russa” é praticamente um balé dançante, magnífico esteticamente. Todo ele em plano sequência desde o princípio. Assim como o filme “Vitória,” que é um filme quase de ação. Ele começa à noite e acaba de manhã. É uma obra-prima no cinema alemão.
Eu gosto muito e eu acho que essa técnica é a ideal para contar a história da Catarina, uma gerente à beira do burnout, vivendo toda a confusão do hotel. Você não tem respiro. É igual à vida da Catarina. Entra nesse filme de 90 minutos e você vai perceber um pouquinho do que é o dia-a-dia da Catarina. A minha grande vontade de escolher o plano de sequência era para isso. Para colocar o espectador dentro do filme. Para começar a sentir-se dentro do hotel. Vivenciando um pouquinho do que a Catarina passou durante esses anos no Hotel Amor.