joao lopes
13 Dez 2014 23:07
Felizmente, o gosto das reposições parece não se ter perdido. Rever os clássicos da história do cinema não corresponde a um mero gesto nostálgico — envolve, acima de tudo, a consciência de que o passado dos filmes não é uma banal colecção de coisas "pitorescas", mas sim uma paisagem imensa onde podemos encontrar muitos sinais premonitórios das linguagens do nosso presente.
Com a transformação das bases técnicas do cinema, temos assistido nos últimos dois anos a muitas e variadas reposições (em excelentes cópias digitais) de autores que vão de Hitchcock a Bergman, passando por Ozu, Lean ou Scorsese. Agora é a vez de Charles Chaplin (1889-1977), através de "O Garoto de Charlot" (1921) e "A Quimera do Ouro" (1925).
* THE KID/O GAROTO DE CHARLOT constitui uma espécie de ponte, temática e formal, entre os tempos heróicos dos primeiros filmes burlescos e o gosto de Chaplin pelas nuances emocionais do melodrama — a história do vagabundo que acolhe um órfão (interpretado pelo inesquecível Jackie Coogan), na sua dimensão de realismo poético e parábola social, conserva um admirável poder universal e universalista.
* THE GOLD RUSH/A QUIMERA DO OURO inclui algumas das mais célebres cenas do universo de Chaplin, desde as atribulações da cabana que oscila à beira de um precipício até aos atacadores de umas botas transfigurados em spaghetti… A partir da mitologia da corrida do ouro (no Alaska), Chaplin construía uma verdadeira tragédia moral sobre as ilusões da riqueza, mesmo se a tragédia se instala, aqui, através do mais elaborado humor.
Nove décadas passadas sobre a sua produção, estes dois filmes são o testemunho muito vivo de uma arte que, afinal, estava a consolidar a sua especificidade, libertando-se de qualquer caução proveniente de outras narrativas (literárias ou teatrais). É por isso que, como uma vez sublinhou Jerry Lewis, com Chaplin sentimos que estamos sempre a aprender.