joao lopes
30 Jan 2015 0:47
Velha lição artística e moral: a acumulação de talentos num filme não constitui nenhuma garantia em relação à riqueza, complexidade ou subtileza desse mesmo filme.
Veja-se o caso do muito triste "O Excêntrico Mortdecai": a presença dominante de Johnny Depp, num elenco que inclui Gwyneth Paltrow e Ewan McGregor; uma evidente competência de execução, com especial destaque para a direcção fotográfica de Florian Hoffmeister… e uma lógica de humor em que, decididamente, ninguém (à frente ou atrás das câmaras) parece acreditar.
Baseado nas histórias de Kyril Bonfiglioli, centradas no realmente excêntrico Lorde Mortdecai, um perito em negócios (mais ou menos transparentes…) no mundo das artes, o filme de David Koepp parece confundir a criação de um clima de comédia com uma mera antologia de pequenas anedotas inscritas nos diálogos. O resultado tem qualquer coisa de álbum de curiosidades a que sobra em ostentação aquilo que falta em sentido narrativo e energia espectacular.
Vida difícil para Johnny Depp, sem dúvida. Depois dos falhanços comerciais de "O Mascarilha" (2013) e "Transcendence: A Nova Inteligência" (2014), este novo filme parece ir pelo mesmo caminho (pelo menos nos EUA), penalizando a sua carreira de grande estrela.
Escusado será dizer que não se trata de estabelecer qualquer paralelismo determinista entre o valor artístico dos filmes e os respectivos resultados de bilheteira — aliás, faço questão em relembrar que sou dos que pensam que "O Mascarilha" é um brilhante exercício de revisão crítica das matrizes clássicas do western. Acontece apenas que Depp parece não querer sair de um registo de "bizarria" que, cada vez mais, corre o risco de passar por imitação auto-indulgente… Seria uma pena que o seu talento ficasse bloqueado no narcisismo de tal ilusão.