joao lopes
12 Fev 2015 15:23
Seria interessante que o aparato mediático montado pelo marketing de "As Cinquentas Sombras de Grey", o filme baseado no best-seller de E. L. James, mesmo envolvendo a criação de penosas formas de histeria, pudesse corresponder a qualquer coisa de consistente. Infelizmente, a montanha pariu um rato: estamos perante a história de uma paixão (?) entre o riquíssimo Christian Grey (Jamie Dornan) e a desamparada Anastasia Steele (Dakota Johnson) que nunca consegue superar a condição de longa e penosa variação sobre os modelos correntes de alguns anúncios de perfumes ou produtos mais ou menos íntimos.
Convenhamos que, nesse aspecto, o filme dirigido por Sam Taylor-Johnson coloca uma curiosa questão sociológica. A saber: como é possível que circulem por aí dezenas de filmes ou séries de televisão que, com mais ou menos talento, integram formas incomparavelmente mais cruas e perturbantes de figuração da vida sexual das respectivas personagens (exemplo: o fabuloso "Vício Intrínseco", de Paul Thomas Anderson, a estrear no dia 19 de Fevereiro), acabando por ser a confrangedora banalidade de "As Cinquenta Sombras de Grey" a gerar todo este burburinho?
O marketing, de facto, envolve formas de poder — e normalização dos comportamentos — que quase ninguém mostra disponibilidade para analisar, nem sequer para reconhecer (o silêncio da classe política é sempre, nestes casos, culturalmente embaraçoso). O fenómeno é ainda mais bizarro (e, nessa medida, importa reconhecê-lo, muito interessante no plano da simbologia colectiva), tendo em conta que o filme se limita a ecoar uma certa normalização de costumes figurativos da sexualidade que, em boa verdade, tem cerca de três décadas. Veja-se ou reveja-se "Nove Semanas e Meia" (1986) e repare-se como, afinal, está tudo dominado pelo mesmo visual cool derivado do universo publicitário…
Que seja alguém com o talento de Sam Taylor-Johnson a assinar um objecto tão anónimo, apenas sustentado por um know how de produção obviamente competente, eis o elemento mais desconcertante de tudo isto. Ela é, de facto, uma figura emblemática de todo um movimento artístico inglês muito para além do cinema (participou na célebre exposição "Freeze" de 1988 que, sob a direcção de Damien Hirst, reuniu os "Young British Artists"), tendo também assinado uma bela longa-metragem, "Nowhere Boy" (2009), sobre a juventude de John Lennon. Fossem quais fossem as razões que levaram a realizadora a aceitar envolver-se neste projecto, digamos apenas que não terá sido um dos momentos mais felizes da sua trajectória profissional.