Joaquin Phoenix filmado por Thomas Anderson — Los Angeles, década de 1970


joao lopes
20 Fev 2015 0:01

A oposição maniqueísta forma/conteúdo pode (e deve), mais do que nunca, ser contestada. De acordo com uma máxima que vale a pena evocar, a forma é apenas o primeiro dos conteúdos. Que é como quem diz: a construção de uma narrativa (cinematográfica, literária, etc.) envolve já algo de vital na visão do mundo que nela se integra. Paul Thomas Anderson é um desses artistas que nos sabe fazer sentir que o modo de contar as suas histórias é já, em si mesmo, uma parte dessa história. Será preciso recordar "Jogos de Prazer" (1997)? "Magnolia" (1999)? "Haverá Sangue" (2007)?

Aí está o seu novo filme, "Vício Intrínseco", para o demonstrar. Baseado no romance homónimo de Thomas Pynchon, esta é uma viagem, ao mesmo tempo trágica e burlesca, realista e surreal, às paisagens conturbadas de Los Angeles durante a década de 1970. Pretexto: as deambulações mais ou menos erráticas de Larry ‘Doc’ Sportello, um detective privado não muito ortodoxo, interpretado por um fulgurante Joaquin Phoenix.
Por um lado, P. T. Anderson evoca a herança do cinema "noir" dos anos 40, em especial de obras-primas como "The Big Sleep" ("À Beira do Abismo"), realizado por Howard Hawks em 1946 — vogamos no interior de um labirinto em que a máscara menos transparente pode conter a verdade mais radical. Por outro lado, tudo acontece como se nenhuma personagem estivesse segura sobre a sua identidade — sendo o filme uma colisão de muitas solidões, cada uma delas enredada numa narrativa cuja linguagem as outras ignoram.

P. T. Anderson filma tudo isso como um sonho paradoxalmente realista, aspecto admiravelmente sublinhado pelas cores quentes, estranhamente "noirs", da fotografia de Robert Elswit. Ao mesmo tempo, a ambivalência de situações e ambientes, sustentada pela música de Jonny Greenwood (Radiohead), parece ter tanto de bailado imaginário de marionetas como de precisão de uma reportagem obsessiva. Não é todos os dias, de facto, que sentimos como o cinema pode ser uma experiência total.

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