joao lopes
22 Mar 2015 18:26
A opção, tomada pelos estúdios Disney, de refazer em imagem "real" alguns dos seus clássicos de animação constitui, por certo, uma ponderada decisão de marketing. Resta saber se está a ser sustentada por uma coerente e consistente perspectiva artística.
Porquê? Porque há uma diferença sensível entre a capacidade de invenção que, por exemplo, distinguia "Maléfica", com Angelina Jolie, e a penosa banalidade da nova "Cinderela", com realização de Kenneth Branagh. Acima de tudo, há uma diferença entre a revalorização da vocação fantástica da fábula e a sua vulgar instrumentalização "espectacular".
"Cinderela" começa por ser um filme fraco na definição física dos seus heróis: Lily James, no papel central, e Richard Madden, assumindo a personagem do príncipe, são tratados como "cromos" convencionais, quase não existindo para além da sua função decorativa. Isto para além de ser francamente inglório ter uma actriz como Cate Blanchett, no papel da madrasta, obrigando-a a aparecer em planos mais ou menos breves e acelerados, sem qualquer pertinência narrativa.
Não admira que o filme produza uma sensação de monótona ostentação, em especial na exploração dos "grandiosos" cenários digitais (do baile, em particular). Tais cenários são geridos como se o seu impacto visual, e também a sua intensidade dramática, resultasse apenas da sua dimensão virtual.
Em resumo, reencontramos aqui um problema de muito cinema contemporâneo, muito para além deste projecto específico de recuperação das fábulas tradicionais — a arte de contar histórias está reduzida à crença (?) de que basta povoar o ecrã de elementos artificiosos, desconexos e mais ou menos vistosos… Sugestão nostálgica: veja-se ou reveja-se a elegância da "Cinderela" (1950) em desenhos animados e avaliem-se as diferenças.