Daniel Craig: pela quarta vez como James Bond, no 24º título oficial do agente secreto 007


joao lopes
4 Nov 2015 23:36

Como todos os heróis de universos altamente codificados, James Bond é uma personagem que tem vivido as mais diversas crises: repetir ou inovar, eis a questão…

Pois bem, o mínimo que se pode dizer de "007, Spectre" — 24º título ofical da saga cinematográfica do agente secreto criado por Ian Fleming — é que já há muito que não o víamos enquadrado por um tão requintado e exigente trabalho de argumento (envolvendo os nomes de  John Logan, Neal Purvis, Robert Wade e Jez Butterworth).
Tratava-se, afinal, de consolidar duas questões essenciais: em primeiro lugar, o posicionamento simbólico de Bond no interior de um mundo já muito distante das dicotomias da Guerra Fria; depois, a necessidade de evitar a desagregação das suas singularidades nos modelos correntes dos filmes "super-heróis", sustentados por mais ruído do que coerência dramática (problema que terá começado a sentir-se na era Pierce Brosnan).
Daí a curiosa organização de "007, Spectre" como uma viagem de reencontro com temas, personagens e fantasmas de títulos anteriores (a começar, claro, pela organização criminosa Spectre que apareceu logo em "Dr. No", o primeiríssimo filme com Sean Connery, lançado em 1962). Mais do que isso: Bond passou a enfrentar um mundo marcado por vilões (como aquele que é interpretado por Christoph Waltz) que exploram, não directamente as clivagens da geo-política, mas os circuitos das drogas e, sobretudo, o controle planetário da informação computorizada.
Retomando a realização (pela segunda e última vez, três anos depois de "Skyfall"), Sam Mendes consegue devolver ao universo bondiano uma energia visual e uma densidade psicológica que, além do mais, recusa o pior de alguns dos últimos filmes. Ou seja: acabou-se a sensação de que a "intriga" era um mero arranjo circunstancial que, aqui e ali, permitia inserir algumas cenas de "acção" (como se a acção não fosse o resultado dinâmico de diferentes ambiências e intensidades).
Daniel Craig poderá estar de saída na sequência deste seu quarto título como Bond (depois de "Casino Royale", "Quantum of Solace" e "Skyfall", respectivamente de 2006, 2008 e 2012). Seja como for, é aqui que ele encontra o tom mais consistente de todas as suas performances, para mais acompanhado por Léa Seydoux e Monica Bellucci, duas presenças requintadas que estão para além da ilustração dos clichés das "Bond girls".
E não será, obviamente, por acaso, que "007, Spectre" se inicia com uma (espantosa) sequência na Festa dos Mortos, no México. No novo xadrez dramático de James Bond, há um desconcertante reconhecimento da fragilidade da vida humana, sobretudo num universo em que as mensagens virtuais passaram a ter um poder assustador. Não é uma cópia, mas reencontramos, assim, algo do espírito desencantado dos tempos heróicos de Sean Connery.

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