Nanni Moretti e Margherita Buy — emoção, depuração, grande cinema


joao lopes
26 Nov 2015 23:47

Individualista e solitário — eis como podemos definir o Nanni Moretti que se revela através do cinema. Em todo o caso, a sua solidão não é fechada. Ou melhor, apetece dizer que é habitada pela solidão dos outros. O seu título mais recente, "Minha Mãe" (estreado em Maio, no Festival de Cannes), constitui um sublime exemplo da delicadeza de linguagens a que chegou o seu cinema — um filme sobre a espera da morte, carregado de energia vital.

A linha fundamental da intriga é muito simples: dois irmãos, interpretados por Margherita Buy e o próprio Moretti, sabem que a sua mãe, hospitalizada, poderá não resistir por muito tempo. Ela é, curiosamente, a que está do lado do cinema: tem um filme "político" em rodagem e enfrenta insólitas dificuldades de entendimento com o actor americano que convidou (John Turturro); ele, na sua pose mais ou menos tecnocrática e distante, tenta introduzir alguma razoabilidade na angustiada certeza da morte.



Dito de modo linear, porventura equívoco, mas sugestivo: Moretti é um dos cineastas contemporâneos (na Europa e não só) que valoriza a recuperação de uma certa dimensão psicológica das histórias que se contam. Não para satisfazer estereótipos dramáticos ou sociais. Antes para reafirmar as singularidades de cada ser humano, num mundo em que a dinâmica social e mediática, sobretudo televisiva, tende a enclausurar todos os gestos e atitudes em formatos previamente definidos.

Sabemos que "Minha Mãe" foi, em parte, motivado pelo falecimento da mãe de Moretti (ocorrido durante o período de conclusão do seu filme anterior, "Temos Papa"). Em todo o caso, este não é um objecto que se queira impor em nome de qualquer "verdade" autobiográfica. Tal como em alguns dos seus filmes mais explicitamente pessoais — com destaque para "Querido Diário" (1993) e "Abril" (1998) —, Moretti encena essas regiões íntimas, próximas e enigmáticas, em que cada personagem se confronta com os limites da sua própria existência. No cinema contemporâneo, são muito poucos os que conseguem este admirável misto de depuração e emoção.

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