joao lopes
1 Jan 2016 19:05
Eis o que se chama um tema delicado: revisitar as memórias da primeira pessoa transexual que foi submetida a uma cirurgia genital — mais exactamente, "A Rapariga Dinamarquesa" é a evocação livre da história de um homem, o dinamarquês Einer Wegener, que nos anos 20 do século passado se transforma numa mulher, Lili Elbe.
Acima de tudo, o filme de Tom Hooper possui a vantagem de evitar qualquer registo de tipo panfletário: o que está em jogo é uma saga humana e comovente, envolvendo uma cristalina história de amor entre Lili e a mulher que vive com ela, Gerda Wegener. Daí que o trabalho dos actores seja decisivo: Eddie Redmayne e Alicia Vikander são, de facto, excepcionais, superando qualquer cliché dramático ou moral.
O argumento, assinado por Lucinda Coxon, constrói-se mesmo para além da "diferença" de Einer/Lili. Não se trata de arquitectar o filme a partir da solidão existencial da personagem, uma vez que tudo o que lhe acontece nos surge filtrado pelo olhar de Gerda, sua confidente e, no limite, alma gémea — em última instância, "A Rapariga Dinamarquesa" é uma história de amor para além do sexo.
Nesta perspectiva, pode dizer-se que o filme dirigido por Hooper, mesmo no seu prudente academismo de mise en scène, consegue (re)valorizar algo de essencial no actual panorama cinematográfico: a vontade de regresso a uma certa dimensão psicológica que resiste ao formalismo do digital, interessando-se antes pelas infinitas variações das relações humanas — é uma opção cultural cuja actualidade importa, uma vez mais, sublinhar e valorizar.