3 Jan 2016 14:51
Como adaptar, em pleno século XXI, o romance "Diário de uma Criada de Quarto", de Octave Mirbeau (publicado em 1900)? Como preservar a sua energia rebelde — centrada na personagem de uma mulher enredada numa teia de poderes masculinos — sem cair nas facilidades de um "simbolismo" alheado de qualquer contexto histórico? Mais ainda: como consumar esse projecto sem assumir uma atitude de dependência em relação às versões assinadas por mestres como Jean Renoir (1946) ou Luis Buñuel (1964)?
O menos que se pode dizer do novíssimo "Diário de uma Criada de Quarto", dirigido por Benoît Jacquot, com a admirável Léa Seydoux no papel central, é que se trata de um projecto empenhado em preservar as linhas de força (e a estrutura) da escrita de Mirbeau. A saber: seguindo a trajectória convulsiva de uma mulher que, apesar de tudo, elege o amor como a sua força motriz, numa França marcada pela violência física e moral do anti-semitismo que estaria na origem do ‘Caso Dreyfus’.
Jacquot dispensa, assim, a versomilhança maniqueísta das "reconstituições históricas" de raiz televisiva para arquitectar um filme que não receia explorar um permanente ziguezague, tecido de tempos contrastados e memórias íntimas, expondo as contradições que aproximam ou afastam as personagens. Se o romanesco é essa arte delicada de ver/representar as personagens para além das suas "figuras" históricas, Jacquot continua a ser, por certo, um dos seus mais requintados artesãos.