Helen Mirren e Bryan Cranston: revendo as tensões internas de Hollywood nos anos 40/50


joao lopes
18 Fev 2016 23:42

Como fazer a história de Hollywood, um território inevitavelmente marcado pelas grandezas e misérias do star system? Pois bem, recordando que nem só de estrelas se faz a história do cinema americano. "Trumbo", uma realização de Jay Roach, é um filme que sabe ver Hollywood para lá das suas imagens mais gloriosas ou espectaculares. Como? Relançando o valor essencial da memória.

Memória de Dalton Trumbo (1905-1976), entenda-se, notável argumentista duas vezes distinguido com o Oscar: primeiro com "Férias em Roma" (1953), de William Wyler, depois com "O Rapaz e o Touro" (1956), de Irving Rapper. Acontece que o nome de Trumbo não surgia nos respectivos genéricos: no primeiro, a autoria do argumento era atribuída a outro escritor, Ian McLellan Hunter; no segundo, surgia o pseudónimo de Robert Rich…
Na verdade, Trumbo (interpretado por Bryan Cranston, nomeado para o Oscar de melhor actor) foi um dos profissionais de Hollywood que, no período do "maccartismo", se viu marginalizado por ser membro do Partido Comunista dos EUA. A chamada "caça às bruxas", desencadeada no início da Guerra Fria com o bloco soviético, colocou-o na Lista Negra de Hollywood, impedindo-o de trabalhar (ou, pelo menos, de utilizar o seu nome nos trabalhos que foi escrevendo).
Escusado será dizer que a complexidade de tal história se traduziu em muitas clivagens internas, com figuras célebres como o actor John Wayne (David James Elliott) ou a cronista de "escândalos" Hedda Hopper (Helen Mirren) a apoiarem a marginalização dos chamados "Dez de Hollywood" (na qual estava incluído o nome de Trumbo). Mais do que isso: a situação só foi ultrapassada no começo dos anos 60, durante a presidência de John F. Kennedy, quando Kirk Douglas, actor e produtor de "Spartacus" (Stanley Kubrick, 1960), assumiu publicamente que Dalton Trumbo era o autor do respectivo argumento.
Sem ser um filme formalmente inovador, "Trumbo" possui a enorme vantagem de respeitar os labirintos desta teia histórica, acima de tudo procurando fazer o retrato de uma indústria cinematográfica que, por assim dizer, reproduziu os conflitos ideológicos que marcavam a cena política americana e internacional. É um filme com personagens de carne e osso que, além do mais, aconselha a compreender Hollywood muito para além da sua descrição beata como "fábrica de efeitos especiais"…

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