joao lopes
19 Fev 2016 21:27
No panorama das nomeações ao Oscar de melhor filme estrangeiro de 2015, "Mustang" é, sem dúvida, o objecto mais paradoxal. Trata-se, de facto, de uma produção francesa — desse modo, representando oficialmente a França —, embora seja um objecto genuinamente turco, observando um contexto muito específico da Turquia.
Em termos muito básicos, digamos que esta é uma história de repressão e resistência. Tudo se passa numa pequena povoação do norte da Turquia, perto da cidade de Kastamonu, em torno de um grupo de cinco irmãs — o simples facto de terem andado a brincar, à beira-mar, com um grupo de rapazes vai fazer com que seja enclausuradas em sua casa (literalmente, com grades), num regime de vida cujo único desenlace possível parecem ser os casamentos resultantes de acordos entre famílias…
Frequentemente comparado a "As Virgens Suicidas" (1999), de Sofia Coppola, "Mustang" partilha, de facto, um dado curioso com essa referência: esta é também a longa-metragem de estreia de uma cineasta, de seu nome Deniz Fazme Ergüven (nascida na Turquia, em 1978, e educada em França). Em qualquer caso, o assombramento poético que percorre o filme de Coppola transfigura-se, aqui, em crónica social muito crua e desencantada.
Sem simbolismos fáceis, nem infantilismos panfletários, Ergüven expõe a existência dramática das suas personagens principais, num processo em que a manutenção de tradições anquilosadas se traduz no bloqueamento das mais básicas relações humanas. Provavelmente não ganhará o Oscar ("O Filho de Saul", representando a Hungria, é o grande favorito), mas a sua internacionalização corresponde a um triunfo especial para um objecto tão lúcido e libertador.