joao lopes
22 Abr 2016 23:51
Olhamos algumas imagens do filme "Macbeth", dirigido pelo australiano Justin Kurzel, e experimentamos uma desconcertante sensação: são imagens de evidente rigor de composição, apelativas como podem ser os ícones publicitários; ao mesmo tempo, definem os limites do empreendimento — a saber: William Shakespeare transfigurado numa colecção de momentos "decorativos".
Convenhamos que não seria fácil desatar este nó. Por causa da riqueza do texto shakespeareano? Sim, sem dúvida. Mas também porque a história do cinema inclui algumas emblemáticas adaptações da peça, a começar por aquela que Orson Welles assinou em 1948, transfigurando o cenário de uma pequena produção (dos estúdios Republic) num espaço de perturbante assombramento.
Que faz Kurzel, então, com a saga do senhor da guerra que, através de meios especialmente violentos, "materializa" a profecia que o aponta como rei da Escócia? Faz um filme vistoso, visualmente opulento que, estranhamente, trata o essencial — entenda-se: o texto de Shakespeare — como um elemento secundário, no limite, descartável.
Em vez de uma dramaturgia que tirasse partido da crescente tensão desse texto, assistimos a uma acumulação de "eventos" visuais que, em última instância, secundarizam os próprios actores — e convenhamos também que ter Michael Fassbender e Marion Cotillard para as personagens de Macbeth e Lady Macbeth é algo que, por si só, justificaria outra disponibilidade de mise en scène. Para a história, este "Macbeth" foi um dos títulos mais aguardados em Cannes/2015 e também a maior desilusão do festival.