joao lopes
26 Jun 2016 20:44
Talvez lhe possamos chamar a doença infantil do grande espectáculo. O seu nome: o vício das sequelas (continuações, spin-offs… o que lhes quisermos chamar).
É bem verdade que há filmes que continuaram de forma admirável um determinado original — será preciso recordar "O Padrinho – Parte II" (1974), dois anos depois de "O Padrinho"? Mas não é menos verdade que, para além da lógica comercial, há experiências do género a que falta algum verdadeiro conceito que as sustente.
Surpreendentemente, é o caso de "À Procura de Dory", de Andrew Stanton (com Angus MacLane como co-realizadora), produção dos estúdios Pixar que retoma a herança do magnífico "À Procura de Nemo" (2003), também de Stanton. Na prática, trata-se de transferir o protagonismo para a personagem de Dory, o peixinho azul celebrizado pela sua incapacidade para memorizar os acontecimentos mais recentes da sua existência…
Dir-se-ia que ninguém pensou na mudança radical que se estava a tentar "naturalizar". De facto, Dory é daquelas personagens que, em termos narrativos, não tem uma existência própria — o seu papel no primeiro filme era mesmo o de funcionar como contraponto cómico às atribulações do pequeno Nemo. Agora, a personagem vai repetindo vezes sem conta o mesmo "gag": esquece-se de tudo… Será preciso lembrar que, ao fim da segunda ou terceira vez, o "gag" já não funciona?
O paradoxo é este: num filme que se quer, antes do mais, um sofisticado espectáculo visual, as personagens falam, falam, falam… como se não passassem de marionetas de uma situação de "stand-up" carente de imaginação. Veja-se a deliciosa curta-metragem "Piper", de Allan Barillaro, sobre a aprendizagem de um passarinho junto ao mar, que precede a projecção de "À Procura de Dory" — uma verdadeira personagem que mobiliza o nosso interesse, uma sábia construção dramática, tudo sem palavras…