Maksim Munzuk e Yuriy Solomin: como podem dialogar dois seres tão diferentes?


joao lopes
4 Ago 2016 3:53

E se a estranheza entre dois seres humanos pudesse ser também o primeiro factor de aproximação, porventura de cumplicidade?

É essa a questão fulcral de "Dersu Uzala", de Akira Kurosawa — inspirando-se nas memórias do explorador russo Vladimir Arseniev (Yuriy Solomin), o filme acompanha a sua expedição, no princípio do séc. XX, em terras do leste da Rússia, e a progressiva construção de uma relação de cumplicidade com o seu guia local, Dersu Uzala (Maksim Munzuk).

O mínimo que se pode dizer deste reencontro — porque de uma reposição se trata — é que a visão de Kurosawa persiste muito para além do contexto em que foi produzida. Trata-se, curiosamente, do seu primeiro trabalho fora do Japão, com a chancela da Mosfilm. E não deixa de ser irónico que "Dersu Uzala" tenha valido à União Soviética o Oscar de melhor filme estrangeiro referente ao ano de 1975 (Kurosawa apenas veio a receber um Oscar honorário, em 1990, oito anos antes do seu falecimento).

Mesmo que isso possa parecer improvável, ou até ridículo, para alguns espectadores mais jovens (porventura ainda com uma relação fraca com a memória dos filmes), importa recordar que "Dersu Uzala" foi, de facto, há cerca de 40 anos, um exemplo triunfante de grandiosidade espectacular — o filme surgiu, aliás, em vários mercados, em cópias de 70mm, esse formato "maior que a vida" que, recentemente, com "Os Oito Odiados" (2015), foi revalorizado por Quentin Tarantino.
Kurosawa filmava a exuberante beleza das paisagens, não como mero apêndice decorativo, antes como um contexto fundamental para encenar os dramas humanos. O diálogo entre Vladimir e Dersu surge, assim, imbuído de uma nostalgia filosófica fixada na promessa de uma linguagem transparente entre os seres humanos — o tempo só reforçou a vibração emocional da visão do mestre japonês.

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