joao lopes
16 Dez 2016 16:27
Um dos aspectos mais insólitos da "sociedade de informação" em que vivemos tem a ver com o facto de, com frequência, a informação não passar…
O cinema a três dimensões, por exemplo. Quase todos o associam apenas às maiores produções de Hollywood, ignorando que algumas das experiências mais extremas com o 3D pertencem a cineastas europeus como Wim Wenders ("Pina", 2011) ou Jean-Luc Godard ("Adeus à Linguagem", 2014).
Wenders, justamente, aí está de novo com um esplendoroso filme "tridimensional", "Os Belos Dias de Aranjuez", a partir de um texto admirável de Peter Handke (ed. Documenta, tradução de Maria Manuel Viana) — uma peça de teatro transfigurada numa verdadeira cerimónia cinematográfica, à descoberta da transparência original das palavras.
É disso mesmo que se trata: saber de que modo, ou até que ponto, as palavras que trocamos são elementos vitais de uma arquitectura humana, recusando qualquer utilização meramente instrumental dos seus significados. Reda Kateb e Sophie Semin interpretam um "homem" e uma "mulher" (de acordo com a definição abstracta proposta pelo próprio Handke) que, falando, redescobrem a possibilidade do amor e a transcendência que o desejo pode envolver.
Nesta paisagem, o 3D não é um "gadget". Funciona antes como elemento profundamente paradoxal, não exactamente favorecendo o artifício pelo artifício, mas redobrando os índices realistas — mesmo quando assistimos à inusitada e poética aparição de Nick Cave. Percebemos, enfim, que a relação de Wenders com a escrita de Handke se vem diversificando e enriquecendo desde os tempos heróicos de "As Asas do Desejo" (1987): Quando a criança era uma criança / Não sabia que era uma criança / Tudo tinha alma / E todas as almas eram uma só…