16 Jan 2017 1:15
A reposição de "O Estado das Coisas" (1982), de Wim Wenders, não será uma surpresa absoluta — afinal de contas, este é um filme que tem surgido com alguma regularidade, mesmo no circuito comercial. Em todo o caso, o seu reaparecimento envolve uma novidade que importa sublinhar: trata-se de uma cópia digital, restaurada, restituindo de forma exemplar o preto e branco da fotografia assinada por Henri Alekan e Fred Murphy.
Aliás, a película a preto e branco é mesmo uma questão central na estrutura dramática do filme. Esta é, de facto, a aventura de uma equipa de filmagens, em Portugal, na Praia Grande e na zona de Sintra, que está parada — o facto de se tratar de um filme a preto e branco fez com que o respectivo produtor tenha ficado sem financiamentos… Era o tempo em que um certo "cinema de autor" existia ameaçado na sua independência, sendo o preto e branco o seu "pecado" mais grave.
Rodado num período em que Wenders se viu forçado a interromper o filme que estava a fazer em Los Angeles ("Hammett", produzido por Francis Fod Coppola), "O Estado das Coisas" resulta de um invulgar cruzamento de nacionalidades. Associado à sua produção está o português Paulo Branco (que, agora, o relança nas suas salas); no elenco encontramos o belga Patrick Bauchau (no papel do realizador do filme dentro do filme), a francesa Isabelle Weingarten, os cineastas americanos Samuel Fuller e Robert Kramer (este também co-argumentista) e o português Artur Semedo.
Para a história, "O Estado das Coisas", com o seu nostágico ziguezague Europa/América (o último terço decorre em Los Angeles), ficou como emblema de uma radical vontade de continuar a filmar, mesmo num contexto de muitas adversidades. No trajectória internacional de Wenders, foi um momento decisivo — com ele ganhou o Leão de Ouro de Veneza/1982; dois anos mais tarde, "Paris, Texas" valeu-lhe uma Palma de Ouro em Cannes.