James McAvoy — ser ou não ser... 23 personagens!


joao lopes
6 Fev 2017 1:08

Nunca é fácil um cineasta escapar aos efeitos mais ou menos perversos da sua própria "imagem de marca". Observe-se o caso de M. Night Shyamalan: como continuar depois de um êxito tão esmagador como "O Sexto Sentido" (um dos fenómenos comerciais de 1999)? Acima de tudo: como continuar, quando a originalidade do seu trabalho surge muitas vezes "reduzida" a algumas das convenções mais banais do género de terror?

Depois, fomos encontrando na sua filmografia vários filmes que confirmam a energia da sua visão, incluindo "O Protegido" (2000) e "A Senhora da Água" (2006). O certo é que os seus títulos mais recentes, sobretudo "O Último Airbender" (2010), uma aventura "juvenil" francamente falhada, pareciam revelar um estranho desnorte. Que decidiu, então, Shyamalan? Fez um pequeno grande filme de terror, "A Visita" (2015), surgindo agora com o magnífico "Fragmentado" ["Split"], além do mais dando uma oportunidade de ouro a um actor como James McAvoy.
A personagem interpretada por McAvoy é, de facto, um invulgar desafio dramático e figurativo: marcado por uma espécie de delírio esquizofrénico, ele vive não com duas personagens conflituosas dentro de si, mas… 23! Dir-se-ia uma espécie de "Psico" (Alfred Hitchcock, 1960), desta vez elevado a um insólito e desconcertante potencial trágico — a partir do momento em que este homem-fragmentado rapta três adolescentes, ninguém sabe quem lhes vai aparecer à frente e com que intenções…
Vale a pena recordarmos "A Vila" (2004), porventura o mais mal amado dos filmes de Shyamalan. E para referir, acima de tudo, que o seu primitivismo "medieval" espelha de forma exemplar o próprio gosto primitivo das narrativas mais exemplares do realizador. Há nele, de facto, uma procura do espírito mais radical da fábula, entendida como um processo regressivo que nos conduz a um tempo simbólico em que o factor humano e os seus fantasmas coexistem de modo perverso.
Nesta perspectiva, talvez possamos definir "Fragmentado" como uma viagem ao interior de um mundo em que a dimensão humana reencontra as suas raízes mais perturbantes (e dizer mais do que isto seria um "spoiler"). Shyamalan é, afinal, um contador de histórias em que as nossas certezas civilizacionais se confrontam sempre com a vulnerabilidade dos seus fundamentos — num certo sentido, o medo é, para ele, uma via para celebrar uma inocência para sempre perdida.

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